Divino Côco fez ligação para mim. Não foi a primeira e espero não seja a última. Na vez passada, como não reconhecesse as antigas veredas do Uberaba, atrás do Morro do Leme, perdeu-se e telefonou só para falar de sua travessura na manhã de luz. Há poucas semanas, de Cajueiro da Praia, contou sobre o vento e os pescadores que lançavam pequena embarcação ao mar. Perdi a conta do número de convites que me fez para ir a Redenção do Gurguéia, cidade onde está morando, para andar no mato e banhar no rio.

O que queria naquela hora, num domingo? Coisa boa não podia ser. Mas era. Disse com a voz grossa do outro lado da linha: “ – Meu primo, Volnim quer que você venha agora para irmos plantar árvores na praça. Ele sozinho já plantou mais de trinta”.

Larguei o que estava fazendo e fui. Esperavam na calçada, os dois e o piloto Robert Menezes. Botamos as coisas dentro do carro, conversando ruidosamente, porque quando a gente se encontra é assim, e muito mais ainda naquele momento, animados pela aventura.

Escolhemos os lugares para enterrar as mudas que levamos. Em uma hora tínhamos terminado o serviço. Olhamos com satisfação as árvores plantadas: paus d’arcos, mangueiras, ateiras, tamarindeiros, cajueiros, uma ornamental da fl or amarela e outras que não sei o nome.

O mais interessado do grupo era Divino. Por causa do coração, acha que pode estar perto de morrer. Seu grande consolo, se fi zer a passagem antes de nós, será lembrarmos dele toda vez que contemplarmos as árvores crescidas.

A morte o inquieta. Não vou dizer CRÔNICA Por Rogério Newton de uma forma parecida com a de Manuel Bandeira. Tomara que viva tanto quanto ou mais que o poeta pernambucano. Mas o fato é que leva a coisa com certa circunspecção. Passou a frequentar com assiduidade as procissões e os rituais da semana santa em Oeiras. Pensa que enfi ar-se na multidão dos cortejos religiosos é sufi ciente para livrar-se dos pecados. Ledo engano, meu chapa. Seja como for, é mais um tema de nossas conversas sem futuro e motivo para boas gargalhadas.

Ele e muitos outros chamam louco a Volnim, por gostar de música, poesia, plantas e cachaça. Tirando a aguardente, eu gostaria de ter uma pequena porção de sua lucidez. Um de seus maiores prazeres é selecionar canções belíssimas, gravá-las em cd e presentear amigos. Sabe de cor poemas de Manoel de Barros e Mario Quintana. Onde quer que encontre versos bonitos, copia de próprio punho num pedaço de papel e entrega ao primeiro que cruza seu caminho. Às vezes, quase pedindo desculpas, mostra os micropoemas que faz. É um alucinado por árvores. Recolhe sementes, prepara mudas e usa as plantas para fazer com os seres humanos escambo afetivo pela amizade e
pela vida.

A generosidade do seu espírito o levou à praça da Rua Jornalista Dondon, no Horto. Impossível não compará-lo a Elzéard Bouffi er, personagem da bela história de Jean Giono, O Homem que Plantava Árvores, que, sozinho, cultivou milhares de sementes num lugar de desolação sem igual. Levou apenas oito anos para a paisagem  resplandecer. Os antigos riachos voltaram a correr. A aldeia foi reconstruída. Pessoas se estabeleceram ali, trazendo alegria e inquietude. Agora, encontram-se pelas estradas homens e mulheres vibrantes. Sem pestanejar, digo: Volnim é nosso Elzéard Bouffi er urbano. Dispensa projetos. Tem apenas um imenso coração.

Uma das minhas sortes é que mora na minha rua, na mesma casa de seus pais, Pedim do Fomento e Dona Tidinha, não por acaso, ponto de encontro de tantas pessoas que vão lá beber e prosear. Muitos tem cadeira cativa, como Eduardo e os oeirenses, que se esquecem do tempo quando Natan, viola em punho, canta e toca até tarde. Não bebo e raramente participo das festanças, mas Volnim sempre conta, além de me entregar os produtos que Tertim traz da roça para meia dúzia de eleitos.

Hoje à noite fui visitá-lo. Encontrei-o sozinho, ouvindo música e sorvendo tragos da Lira. Seus amigos de conversa, de devaneios e de copo já haviam arribado. Como os bois da terra e dos poemas de Da Costa e Silva, estava remoendo mágoas por ter reencontrado, dias antes, um poeta amigo em estado de saúde lastimável.

Quando me preparei para ir embora, vendo minhas mãos vazias, apressou-se em me oferecer dois pés de sapoti. Me acompanhou até a rua e voltou para o terraço cheio de plantas. Enquanto pegava o caminho de volta, apreciei, mais uma vez, a nobreza do seu caráter, que se emociona com a beleza e é capaz de derramar lágrimas xpelo ser humano.

(Publicada na Revestrés#20 – Edição Raimundo Soldado – 2015)