Passei dois ou três meses fora de Teresina e, quando retornei, encontrei a cidade debaixo de chuva. Era uma chuva comum, por isso não trouxe sobressaltos, apenas alegria. O clima ficou ameno, muito gostoso, por alguns dias. Depois, como não mais chovesse, o sol abriu o olho com força e o calor voltou a reinar. 

Mas, como tudo é mutante neste mundo, veio de novo a chuva, dessa vez durante a madrugada. Quando o dia amanheceu, o ar estava limpo e todas as coisas pareciam renovadas. Havia uma atmosfera convidando para viver com a camisa aberta no peito. Deu uma vontade de não ficar em casa, de reencontrar amigos ou simplesmente sair pelas ruas, só pelo gosto de andar.   

A pé ou de bicicleta, com ou sem rumo pré-determinado, andar após a chuva é um dos melhores exercícios. Ocorre uma mudança desconhecida, não se sabe por quê. Se a chuva não existisse, o mundo seria muito triste.  

A chuva me fez reencontrar Volnei dos Santos no meio das plantas que ele cuida com muito carinho. Levou-me ao fundo do quintal, dizendo que havia um presente para mim: era uma romã enorme, inchada, por isso as rachaduras. Eu mesmo a retirei do galho pendente. E logo fomos para a casa do Robert Menezes, ali pertinho, claro, depois de me mostrar as últimas preciosidades em vinil, que comprou no mercado do Mafuá. A ideia era irmos os três para a Praça Musa dos Poetas, no Horto Florestal. Já, já explico que praça é essa. 

A Praça Musa dos Poetas se eleva em simplicidade e beleza. Mas ninguém dá nada por ela. A não ser os poetas! 

Em verdade, não sei se a praça tem outro nome: não o vi nas placas. Volnei a frequenta há muito tempo, e não só para deleite. Ele leva mudas de árvores e as coloca, por sua conta e risco, nos espaços em claro. Grande é a variedade que plantou: amora, tamarindo, sapoti, pau-darco, manga, marmorama, angico, pitanga, abricó de macaco e muitas outras. Moradores dos edifícios próximos, inspirados no seu exemplo, também se aventuram na arte de plantar. Até baobá tem na praça! 

Musa dos Poetas foi ele mesmo quem batizou. Ainda que não conste nos registros da prefeitura, o nome é esse e já pegou. É claro que contou com ajuda dos poetas que lhe fazem companhia, não só os presentes em espírito, como Quintana e Manoel de Barros, mas também os que se apresentam em carne e osso e teimosia, como Elias Paz e Silva, Paulo Tabatinga, Climério Ferreira e Carvalho Neto. 

Pois bem! Volnei travou discussão com o poeta Elias, que queria o nome Praça dos Poetas. Não sei exatamente traduzir o que rolou, vocês podem imaginar, mas Volnei deu a última palavra e todo mundo aceitou. 

A praça é uma pintura! Já falei dela aqui. Tem um certo ar de abandono, talvez por isso atraiu os poetas. Graças a Deus, ninguém da prefeitura aparece por lá. Um morador, ele mesmo mandou construir um passeio de cimento, no lado da Rua Tancredo Serra e Silva, para ajudar as pessoas como ele a caminharem dando voltas. Outra rua que faz limite com a praça é a Magnólia. Nome melhor não poderia existir. 

E lá estamos nós, entre as árvores, umas grandes, outras pequenas. O difícil é Volnei parar de falar, contando em detalhes a história de cada uma que plantou, só ele e Deus e a cumplicidade de poetas e moradores. Há também os episódios inexplicáveis, como o incêndio que quase botou tudo a perder.  

No terreno cheio do matinho rasteiro que viceja com as chuvas, vamos palmilhando o coração dessa praça “sui generis” e seu reino de possibilidades. Não há bancos para sentar, não há canteiros, só as plantas que crescem a seu jeito, meio tortas, em liberdade.    

Como tudo fica verdinho nesse tempo de chuvas abençoadas, a Praça Musa dos Poetas se eleva em simplicidade e beleza. Mas ninguém dá nada por ela. A não ser os poetas! 

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Rogério Newton é poeta, cronista, romancista. Publicou Ruínas da Memória (1994), Pescadores da Tribo (2001), Último Round (2003), Conversa escrita n´água (2006), Grão (2011), No coração da noite estrelada (2015) e Crônicas dos enigmas de Oeiras (2017).

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Publicada na Revestrés#48.

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