Em 1968, nada sabia de bombas de gás e calabouço. Não conhecia as barricadas do desejo de Paris nem Jean-Paul Sartre. Não tomei conhecimento do assassinato de Edson Luís, tampouco da passeata dos cem mil. Ignorava o que era AI-5.

Eu tinha oito anos e na minha vida não entrava – pelo menos de maneira direta – a ebulição política e comportamental daquele ano. Era a besta e sábia vida de menino de uma pequena cidade onde ainda não aportara a televisão e outras invenções pós-modernas.

Relembrando um verso de Drummond, oito anos não é idade para sofrer com essas coisas. Por isso a política e o desbunde não tomam a maior parte da minha memória de 1968. Mas, por entre as frestas do tempo, vejo cenas do ano que – dizem – nunca terminou.

Uma delas, a do Ginásio Municipal, onde estudaram meus irmãos mais velhos. Não sabia direito o que estava acontecendo, mas sentia alguma coisa no ar. Tinha inveja por não ser mais taludo e viver melhor a inquietação daquele ano, vivida pelos estudantes.

O Municipal era uma escola (pública) onde estudavam os filhos das melhores famílias de Oeiras, conservadoras e temerosas. Como não poderia deixar de ser, era dirigido por um padre. Isso não impediu  – antes favoreceu – que os respingos de 1968 caíssem sobre os estudantes e ajudassem a germinar a semente da rebeldia.

Os estudantes reuniram-se no grêmio,  protestaram, fizeram passeatas e diz-se até que jogaram bombas na escola. A turma mais animada tinha cabelo comprido. Por isso, o diretor baixou uma ordem proibindo o acesso dos cabeludos às aulas. O decreto deu origem a um bem-humorado protesto dos estudantes, que cantavam uma música muito em voga na época:

Deixa meu cabelo em paz,

Deixa meu cabelo em paz,

Monsenhor.

Foi um grupo de estudantes que formou, um ano antes, o conjunto musical Os Falcões, sucessor do The Redcaps e de Os Leopardos, sob inspiração do iêiêiê.

Mas toda aquela inquietação juvenil, em parte inocente, foi sufocada. Ninguém me explicou por quê. O Municipal fechou em 1969. Em seu lugar, foi criado outro ginásio, com as disciplinas de Moral Cívica e OSPB. Os Falcões resistiram até 1974. Sob o ferrão do AI-5, apareceram cartazes amarelos com fotografias negras e letras garrafais: TERRORISTAS PROCURADOS.

Minha ignorância sobre a verdadeira lógica de 1968 só começou a ser desfeita em 1977 quando, em Teresina, passei a ler todas as publicações alternativas que me chegavam às mãos. Naqueles dias de espanto e descobertas, o Pasquim era meu jornal preferido. Mas ainda tive tempo de ler o último número do Chapada do Corisco, lance de lucidez na imprensa do Piauí.

Por causa das minhas andanças, a maior parte das publicações que tinha sobre 1968 se perderam. Se não, as estaria folheando agora, revendo imagens e textos sobre aquele ano cuja lembrança me dá prazer, mas… como dói!

(Publicada na Revestrés#26 – Agosto/Setembro 2016)