Hesitei em escrever. No meio de tantas invenções modernas, a carta está em franco desuso. Não sei até que ponto terá utilidade para mim, para o senhor e para o leitor. Entanto, escrevo. Mais por teimosia do que qualquer outra coisa. Poderia ter usado e-mail, facebook, essas coisas, mas não sei seu endereço nem senti vontade de procurar. Se enviasse uma mensagem eletrônica, postasse algo no site da prefeitura ou nos correios, não teria certeza do seu recebimento. Então, vai o escrito aqui mesmo, embora persista a dúvida se o senhor vai ler ou não. Seja como for, algum leitor, espero, o lerá. Nesse caso, terá utilidade e não precisarei mais sofrer por causa disso. 

Em verdade, como no verso do poeta, o que faço aqui é me expor à galhofa. Por que o prefeito de Teresina iria retirar os olhos dos seus afazeres para ler a carta de um cronista? Talvez não fique bem para o senhor saber o que pensa o habitante da cidade. Seus assessores já fazem isso muito bem. O senhor também é um homem estudado, tem na ponta da língua resposta para toda questão que lhe fazem na TV. Então qual a necessidade de saber o que pensa e o que sente o cidadão? Este tem de cair na real e reconhecer que não sabe nada. Não pode opinar que dirá ensinar. Não se ensina Padre Nosso a vigário, muito menos a prefeito. 

Meses atrás, ouvi no rádio o senhor responder às perguntas do entrevistador e elogiar o uso da bicicleta como meio de transporte e de prática de exercício físico. Depois disso, pensei que seu governo fosse construir mais ciclovias, porém constato o contrário: as ciclovias então existentes, nas avenidas Miguel Rosa, Presidente Kennedy e Duque de Caxias, foram suprimidas. Estavam injustamente ocupando o lugar dos carros e das paradas de ônibus em construção. 

Não vou criticá-lo por causa disso. Quem sou eu para fazê-lo? Sou, como muitos, apenas um cidadão acossado, com um fiapo de voz. Devo ficar conformado à minha insignificância e, se quiser, balbuciar protestos tímidos.   

Juro que não tenho intenção de fazê-lo mudar de ideia. As únicas ideias que quero mudar são as minhas, e não consigo. Portanto, fique tranquilo, o senhor e seus assessores: não serei eu que irá atrapalhar o progresso de Teresina nem impedir que esta cidade tenha um sistema de transporte eficiente e garanta seu merecido lugar na modernidade.  

Há poucos meses, o senhor mandou passar asfalto na minha rua. É claro que está fora de cogitação saber o que penso sobre o assunto. Asfalto é asfalto, acabou! Deve ser colocado no maior número possível de ruas, segundo reza a cartilha do administrador de cidades, agora enriquecida com mais uma expressão: “mobilidade urbana”, tão mágica que abre todas as portas para o fluir da felicidade nas ruas, pois não há outra maneira disso acontecer, a não ser sobre rodas. 

Como disse, o senhor, menos ainda seus assessores, não vão perder tempo comigo. Só existe uma ocasião em que seu governo toma conhecimento da minha existência: quando deixo de pagar o IPTU. Como sou um homem de relativo bom senso, raramente atraso. Portanto, a chance de seu governo entrar na minha casa é muito remota. Mas isso não é problema. Em muitas situações, o melhor governo é o que menos governa. 

Tenho amigos e conheço pessoas que adoram Teresina. São sinceros. Gostam da vida urbana, mas cometem um desatino: criticam as obras que o senhor está fazendo nas avenidas. Sei que não fica bem para o prefeito comungar da opinião deles. O senhor está bem acompanhado por seus assessores, cuja competência técnica e gosto estético são indiscutíveis. 

Não vou pedir desculpas, se estiver lhe ofendendo com o que aqui escrevo, na justa medida em que o senhor não me pede desculpas por suas obras, sobretudo a anunciada intervenção na Avenida Frei Serafim, graças a Deus, ainda não iniciada, e que espero não vá ocorrer na forma como foi divulgada na mídia. O senhor deve ter bons conselheiros, mas ouça: não fica bem desfigurar a Avenida Frei Serafim, trocar a alma daquele lugar pelos brinquedos de plástico e ferro da “mobilidade urbana”.  

Houve um alcaide em Teresina que chamava a Frei Serafim de “Avenida dos Sonhos”. Deve ter exagerado, como convém a todo prefeito, mas não deixa de ser uma expressão auspiciosa. Meu receio, e de muitos, é que se transforme num pesadelo. Não desejo essa má sorte. 

Nunca li algo que mais se adequa a Teresina do que um trecho da Breve História do Urbanismo, do arquiteto e historiador da arte espanhol Fernando Chueca Goitia: o que mais caracteriza a cidade contemporânea é a desintegração. “Não é uma cidade pública à maneira clássica, não é uma cidade camponesa e doméstica, não é uma cidade integrada por uma força espiritual. É uma cidade fragmentária, caótica, dispersa, a que falta uma figura própria”. Estamos no mesmo barco. Tão difícil como estar nele é o diálogo. 

Uma das maiores ironias desta cidade é o lema adotado pelo Sindicato das Empresas de Transportes Urbanos de Passageiros de Teresina (SETUT): “Tudo pelo passageiro”. Há aí pelo menos uma ambiguidade, pois podemos ler: tudo pelo efêmero. Não deixa de ser verdade. Vivemos num mundo mutante, fragmentário, podemos dizer, ilusório, em que tudo passa, quase nada é duradouro. Nem mesmo as placas de bronze com o seu nome e os de seus assessores. Mais dia, menos dia, serão esquecidas ou corroídas pela ferrugem.  

Ao terminar, não estou inteiramente destituído da sensação de inutilidade deste escrito. Nem sei se deve ser levado a sério. Não por causa do seu conteúdo ou pelo que nele falta, mas porque sou um Fingidor, não na acepção política, mas poética do termo.  

(Publicada na Revestrés#34 – janeiro-fevereiro de 2018)