Torquato Neto, volta e meia, se internava em uma clínica para uma recuperação de bebida, essas coisas, e quando ele saía de algumas dessas internações, ele passava na minha casa. Eu tinha sempre umas balinhas que ele adorava e eu guardava para quando ele viesse. E, numa dessas saídas, ele apareceu lá em casa e me deu a letra de “Let’s play that”, já escrita, batida à máquina, para eu musicar. Ela até é uma alusão a um poema de Drummond de Andrade (referência ao Poema de Sete Faces). E aí na hora, em uns quinze minutos eu musiquei ali, enquanto Torquato comia as balinhas que tanto gostava.
Quando viu a música pronta, ele até brincou comigo: “pô, você está colocando música clássica na minha letra”. Isso foi em torno de 1969, no Rio de Janeiro, e quando eu gravei meu primeiro disco em 1972, eu coloquei a música “Let’s play that”.
A música é um símbolo de Torquato, que é conhecido como o “anjo torto”. Musicar ela foi até natural, nós depois fizemos algumas outras músicas. Mas essa foi a primeira que fizemos juntos e, nada melhor do que musicar o anjo torto, com o próprio anjo torto do lado.
Let’s play that (Jards Macalé/Torquato Neto)
Quando eu nasci
Um anjo louco
Um anjo solto
Um anjo torto, muito
Veio ler a minha mão
Não era um anjo barroco
Era um anjo muito solto, solto, solto
Doido, doido
Com asas de avião
E eis que o anjo me disse
Apertando a minha mão
Entre o sorriso de dente
Vá, bicho, desafinar o coro dos contentes
Let’s play that
(Publicado na Revestrés#33, outubro/novembro de 2017 – Edição Especial Torquato Neto)