Nesses tempos de obsolescência programada e avanços tecnológicos alucinadamente velozes que, rapidamente, tornam objetos – e, também, muitas certezas – peças de museu ou restos de um tempo que ôpa!, já passou, costumamos pensar que nada – ou quase – sobrevive ou mantém sua utilidade ao longo de longos e longos anos. O objeto que está na capa desta edição, uma imagem do ensaio fotográfico de Sallisa Rosa, mostra que alguns deles, criados em tempos imemoriais, não apenas seguem sendo úteis como adquirem novas representações, muito além de sua “serventia” inicial.
Não se sabe exatamente quando, nem quem, nem onde, começou-se a prender uma lâmina de metal a um cabo de madeira, pedra ou qualquer outro material, dando origem ao que chamamos hoje, simplesmente, de facão. Ou catana, como é conhecido em boa parte da África. Ou machete, em outras regiões. Seja qual for nome que lhe for dado ou suas pequenas variações estéticas de acordo com os povos a utilizá-lo, o popular facão atravessa séculos, talvez milênios. São Pedro de Verona, santo católico assassinado em 1252, tem, em sua imagem, um facão cravado na cabeça, representando seu martírio. Há quem diga que na Grécia antiga já existia algum tipo de facão, bem próximo aos modelos atuais. No Nepal, no século XVI, era arma de guerra. No sudeste asiático, serve para abrir caminho na mata fechada e auxiliar na agricultura. Em Terra Brasilis, o facão esteve na mão de Zumbi dos Palmares, ajudando na construção do quilombo. Mas também nas mãos dos bandeirantes, que com ele abriam caminho nas matas e, nesse caminho, dizimavam indígenas. O facão esteve nas mãos de Lampião, e também das volantes, que dominavam a caatinga em fins do século 19 e início do 20. O facão cortava a cana que sustentou o Brasil colônia – e ainda é instrumento de trabalho dos boias-frias. No interior do Nordeste, nos pampas do sul do país, nos seringais da Amazônia, lá está ele. O mesmo, há séculos, ao mesmo tempo simbolizando tantas coisas diferentes. E, como mostra a imagem da capa, com um pincel atômico, uma câmera fotográfica e um novo olhar, transformado em arte, chamado e instrumento de consciência de seu lugar no mundo.
Por falar em Lampião, ele, Maria Bonita e o Cangaço também estão nessa edição, em matéria que mostra como esse fenômeno está sempre sendo revisitado por estudiosos – além de alimentado pela sabedoria popular. Por falar em chamado, trazemos uma matéria com a criadora do bordão e da imagem que representam um momento do país: ninguém solta a mão de ninguém. Mas pode soltar só um pouquinho para ler a revista, que está bem. Fomos conhecer o Bar do Omar, no Rio de Janeiro, um lugar que está transcendendo sua origem de lugar para beber e se divertir e, de certo modo, se tornando uma, digamos, “trincheira crítica”.
Essa edição tem ainda muitos textos, escritos por verdadeiros artesãos da palavra. Um texto de Valter Hugo Mãe, alguns poemas de Ledusha, o pensamento de Maria das Graças Targino e de Sônia Sobral, a crônica de Rogério Newton. E uma estreia: Manoel Ricardo de Lima, agora, também é de Revestrés, e sua coluna Trabalhos no Subsolo chega forte e densa. Você vai gostar.
Tem mais: nessa Revestrés, duas entrevistas. Na primeira, Patrícia Mellodi, compositora e intérprete piauiense, solta a voz e fala conosco sobre música, vida, coragem, sucesso e, em especial, sobre seguir em frente. Uma entrevista franca e que, certamente, vai emocionar você com sua verdade. Mais à frente, Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles falam com exclusividade sobre Bacurau e cinema. E, além de muitas outras coisas, claro, o belo e provocante ensaio fotográfico de Sallisa Rosa, que diz tanto com tanta simplicidade.
Então está aí. Mais uma Revestrés em suas mãos. Esperamos que goste tanto de lê-la quanto gostamos de tê-la feito.
Editorial da Revestrés#43 – setembro-outubro de 2019.
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