Enquadro poético
Escrevo porque ouço vozes,
umas gritam de coragem outras de medo,
e todas elas agitam em silêncio o meu coração.
Nada a ver com gramática,
estética, ética ou métrica,
escrevo porque em mim
a palavra é fio desencapado
é elétrica.
A Polícia acadêmica quando enquadra,
não sabe ou esqueceu,
que as ruas gritam livres
ainda que durma na calçada.
A Poesia é sem sobrenome
pede um real pra comprar pão
dois reais pra comprar pinga
e um cobertor para cobrir a fome.
Dança roda com as crianças
beija a mão do trabalhador
bate ponto na esquina
no boteco
nas escolas
e anda de chinelo
pra não deixar rastros
ao perseguidor.
Poesia bebe fuma
não bebe não fuma
bate uma bola
joga sinuca
samba na laje
chora na chacina
e anda com o povo.
Poesia
sangra nos olhos
é soco no abdome…
Vixe,
melhor ficar quieto
ouço sirenes…
Deve ser os zomi.
A Vida É Loka
Esses dias tinha um moleque na quebrada
com uma arma de quase 400 páginas na mão.
Umas minas cheirando prosa, uns acendendo poesia.
Um cara sem Nike no pé indo para o trampo com o zóio vermelho de tanto ler no ônibus.
Uns tiozinhos e umas tiazinhas no sarau enchendo a cara de poemas.
Depois saíram vomitando versos na calçada.
O tráfico de informação não para,
uns estão saindo algemados aos diplomas
depois de experimentarem umas pílulas de sabedoria.
As famílias, coniventes, estão em êxtase.
Esses vidas mansas estão esvaziando as cadeias e desempregando os Datenas.
A Vida não é mesmo loka?
Sérgio Vaz é agitador cultural da periferia de São Paulo, onde criou e organiza o sarau poético Cooperifa. Ganhou vários prêmios, inclusive o da Cem pessoas mais influentes do país (Revista Época/2009). Entre os livros publicados: Subindo a ladeira mora a noite, A poesia dos deuses inferiores, Colecionador de Pedras e Flores de Alvenaria).
Publicado na Revestrés#39 – janeiro-fevereiro de 2019.