Alicerçada em cima de um cemitério onde eram enterrados negros, leprosos, suicidas e indigentes, a história que não é contada da Igreja São Benedito revela muito do que era a sociedade teresinense do século XIX; a mesma que deixou de herança comportamentos sociais reproduzidos até hoje.
O relato mais conhecido é que foi Frei Serafim, italiano da cidade de Catânia, o responsável pela construção do terceiro templo católico de Teresina, inaugurado no dia 3 de julho de 1886, 12 anos após o início da obra. Pouco se sabe, no entanto, sobre a importância dos negros na construção da igreja.
Historiador e membro da Academia Piauiense de Letras, Fonseca Neto conta que, no final do século XIX, a elite de Teresina já tinha duas grandes igrejas. “Eram a do Amparo, na Praça da Bandeira, e a Nossa Senhora das Dores, na Praça Saraiva. Para enterrar seus mortos, tinham o cemitério São José. Em nenhum desses espaços os negros eram bem-vindos”, afirma.
Excluídos dos espaços de fé da alta sociedade, os negros ocuparam o “Alto da Jurubeba”, um monte localizado na periferia de Teresina, que atualmente é o final da avenida Frei Serafim, e onde seria construída a Igreja São Benedito, com o dinheiro, o suor e o entusiasmo dos negros escravos.
Segundo o Frei Edimilson Vieira, atual responsável pela paróquia, o local era um cemitério e ponto de convergência dos negros. “Aqui eles criaram uma capelinha de palha para homenagear os mortos e celebrar São Benedito. Essa foi a origem da igreja”, destaca.
Fonseca Neto afirma que os negros fizeram uma associação para dar início à obra. A partir daí, juntaram fundos por 11 anos e construíram o templo. “Foram os escravos, portanto, os responsáveis pela idealização, pelo financiamento e pela mão-de-obra que ergueu a catedral”, diz o historiador
Frei Edimilson acrescenta que parte do dinheiro economizado pela associação dos negros era usada também para comprar a alforria de, pelo menos, um escravo no festejo do padroeiro. “Era uma irmandade oficial e devidamente registrada”, conta.
A participação de Frei Serafim, de acordo com essa versão histórica, teria sido a de coordenar o trabalho dos negros, oferecendo os conhecimentos técnicos que tinha, devido à sua formação de arquiteto.
Tal história silenciada refletiu ainda em injustiças com o artista Sebastião Mendes, entalhador das portas da catedral, e com o padroeiro da igreja, São Benedito. São fatos que se deram ao longo de três séculos, e que ilustram o quanto é antigo, mas também contemporâneo, o preconceito racial.
Sebastião Mendes: artista, negro, suicida
As informações disponíveis não dão conta da importância do artista Sebastião Mendes de Souza. Sabe-se que ele é o entalhador das portas da Igreja São Benedito, a única obra de arte tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Piauí. E só!
Das sete portas da igreja, cinco foram entalhadas por ele, com detalhes almofadados e motivos de folhas e flores. Sebastião morreu em 1886, antes de concluir o trabalho. As duas portas restantes foram repassadas para que outro artista terminasse, imitando os traços de Sebastião.
Fonseca Neto defende que a biografia de Sebastião Mendes precisa ser resgatada. “Um piauiense tão ilustre e não tem nada em Teresina que lembre o nome dele. Nem a igreja São Benedito é tombada por completo, mas as portas que ele fez, são”, destaca. Para o historiador, existe uma explicação: “Ele era negro, pobre e se suicidou. Por causa disso, foi escolhido para ser esquecido”, lamenta.
Na dissertação “Arte santeira do Piauí: entalhando imaginários”, apresentada no Mestrado Profissional do Iphan, em 2014, Katiuscy da Rocha Lopes destaca que Sebastião Mendes, com 10 anos de idade, já fazia esculturas com madeira e talos de buriti. O artista conseguia reproduzir rostos, corpos, animais e objetos. Depois vendia suas peças pelas ruas de Teresina.
Devido ao talento, em 1868 Sebastião recebeu da província do Piauí uma bolsa anual para estudar numa Faculdade de Belas Artes por quatro anos. “Formou-se na Academia Imperial de Belas Artes, no estado do Rio de Janeiro, e, ao retornar a Teresina, foi convidado pelo presidente da província, Raimundo de Castro e Silva, para cinzelar as sete portas da Igreja de São Benedito”, escreveu Katiuscy.
Uma das poucas obras que tratam sobre a vida de Sebastião Mendes é do escritor piauiense Enéas Barros. No livro “O Turco e o Cinzelador”, ele retrata a sociedade teresinense de 1880, a partir de um romance que tem o artista como uns dos personagens principais. De acordo com a obra, Sebastião teria se apaixonado por uma moça branca da elite teresinense, mas o romance foi impedido pela família dela. Tal sofrimento teria sido a causa do suicídio do artista.
(Matéria completa na Revestrés#29)