Na reportagem da edição #45 de Revestrés, Laerte Coutinho comentou que a relação com o público nas redes sociais surpreendia pela rapidez nas respostas se comparadas com a lentidão das seções de cartas em revistas. Essas mudanças são acompanhadas por Laerte ao longo de sua trajetória como cartunista, chargista, ilustradora, quadrinista e roteirista. Aos 69 anos, o caminho da artista está lado a lado com a trajetória pessoal e o intenso ativismo político percebido nas obras inteligentes e provocativas – e mais outra infinidade de atributos.
Uma das ilustradoras mais premiadas do Brasil, já foi reconhecida em diversas edições do Troféu HQ Mix – importante prêmio dos quadrinhos nacionais, e também no Prêmio Angelo Agostini da Associação dos Quadrinhistas e Cartunistas do Estado de São Paulo. Laerte venceu mais um em 2020, o 42º Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, como melhor arte, pela charge com título Infernópolis – em que retrata um cerco policial e massacre ocorrido em Paraisópolis, bairro de São Paulo, em 2019, que terminou com a morte de nove jovens.
No currículo, estão participações como no histórico O Pasquim, a criação de personagens famosos como Piratas do Tietê, passando por alguns dos maiores veículos de imprensa do país e, atualmente, publicando na Folha de S. Paulo, além de manter o blog Manual do Minotauro. No Instagram, seu perfil pessoal @laerteminotaura tem mais de 92 mil seguidores, e outro, o @laertegenial, alimentado por fãs, tem mais de 600 mil. No twitter, Laerte compartilha trabalhos, opiniões e uma mensagem diária que questiona: “Quem matou e quem mandou matar Marielle? Queremos saber”.
Laerte influencia dentro e fora das redes. Como uma das fundadoras da Associação Brasileira de Transgêneros (Abrat), dedica-se a compromissos em defesa da identidade e dos direitos de pessoas transgênero. Protagonizou o primeiro documentário original produzido pela Netflix no Brasil – Laerte-se (2017), e A Cidade dos Piratas, filme de Otto Guerra, que levou o humor das histórias dos Piratas do Tietê para o cinema.
Nossa conversa com Laerte foi mais uma vez por e-mail, por onde responde rapidamente. Comentou sobre política, mídia e Brasil. E prefere dizer a respeito de si mesma de forma direta: “Eu me vejo e me sinto uma mulher trans”.
REVESTRÉS Discutir gênero parece ainda assustador na nossa sociedade. A que isso se deve? Estamos avançando?
LAERTE: Estamos avançando, isso é visível – mas ainda vamos percorrer esse terreno de tensão. O tema, afinal, é mais complexo do que as visões simplistas consideravam, e as soluções têm que passar necessariamente por uma revisão de valores bem arraigados na sociedade. Pense em quanto ainda se discute se mulheres devem ou não mudar o sobrenome quando se casam. É só um detalhe.
O Brasil tem trunfos poderosos, como a existência do SUS e uma experiência positiva em crises de saúde. Mas tem a infelicidade de ter no governo um bando de irresponsáveis.
REVESTRÉS: Os discursos autoritários e de ódio ganharam espaço nos últimos anos. Qual o peso das charges e cartuns no combate a esses discursos?
LAERTE: A palavra “peso” me faz pensar mais na parte que quer proibir, que quer censurar e reconstruir estruturas fascistas no país. Charges querem – ou deviam querer- detonar esse peso. Mas há muitas formas de se fazer charge e muitas cabeças de pessoas que fazem charges. Não dá para esperar uma ordem unida.
REVESTRÉS: E como é sua relação de artista com as redes sociais? No seu perfil no Instagram tem a frase “não sei lidar com mensagens por aqui”.
LAERTE: Especialmente o Instagram é um problema pra mim. Nunca me senti em casa ali, ao contrário do Twitter e do Facebook. Tenho achado o Facebook meio longínquo.
REVESTRÉS: A esquerda brasileira demorou a perceber a relevância das redes sociais para a política?
LAERTE: Pode ser. Acho que a campanha do Boulos (PSOL) para a prefeitura de São Paulo mostrou um uso competente e ético das redes sociais.
REVESTRÉS: Como é hoje sua relação com os movimentos sociais organizados e partidos políticos? De que maneira você posiciona seu ativismo político?
LAERTE: Procuro participar segundo percebo ações com que me sinta em sintonia. Não quero entrar em partidos políticos, por ora.
REVESTRÉS: Em entrevista para o jornal do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, em 2018, você declarou: “a mídia para mim deixou de ser uma coisa confiável de um modo geral”. Você continua com esse pensamento?
LAERTE: Às vezes falo coisas precipitadas, às vezes falo bobagens, às vezes mudo de ideia. Não sei se diria isso hoje. Parte da mídia não é lá muito confiável, mesmo – mas parte me interessa. Aliás, eu faço parte da mídia.
REVESTRÉS: Como você avalia a travessia do Brasil por esse momento de pandemia?
LAERTE: O Brasil tem trunfos poderosos, como a existência do SUS e uma experiência positiva em crises de saúde. Mas, ao mesmo tempo, tem a infelicidade de ter no governo um bando de irresponsáveis que tem custado muitíssimo e cujo estrago vai demandar anos para ser reparado.
REVESTRÉS: Você também já declarou que sua trajetória de trabalho não está completa, pois está viva. O que ainda podemos aguardar?
LAERTE: Ah, não faço ideia!
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Publicado na Revestrés#47.
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