Nada do que vivi era falso porque sempre me levou a constantes aprendizados. Por eu haver ficado mais de 30 anos preso, se pode pensar que nada sei sobre relacionamento humano. Enganam-se profundamente. Na prisão também somos humanos e, como não poderia deixar de ser, nos relacionamos. E a questão do relacionamento na prisão é delicadíssima; a vida depende, muitas vezes, das relações que conquistamos. Vivi grandes emoções com pessoas incríveis que estavam presas. Amei, fui amado e, mesmo preso, tive meus momentos felizes. A fluidez e a liquidez do atual relacionamento humano tem sido o meu maior problema.

Acredito, sinceramente, que vivemos a protagonizar o que não somos porque não temos coragem e nem habilidade para viver o que somos de verdade. O mundo de relações é complicado. Entendo um pouco porque Platão não queria poetas em sua República. Assim como cabelos brancos pode disfarçar os canalhas, a poesia pode mascarar a verdade. Mais da metade dos pais, a estatística mostra, são alcoólatras. Ser pai ou mãe não torna o homem ou a mulher diferente do que é. Família não é o que se representa para os outros e sim o que se vive no dia a dia. E esta, praticamente, tal como é idealizada, não existe mais. A não ser nos anseios e na mente das pessoas. Há muito o lar deixou de ser o melhor lugar do mundo para a criação e desenvolvimento de gente. Se é que um dia chegou a ser.

Hoje é a televisão e o vídeo quem educam nossos filhos. Lá estão eles: olhos redondos de curiosidade, alegria pela surpresa de cada novo conhecimento e prazer na exploração de seu espaço/tempo. Somos transformados em seres sociais. Politicamente corretos, normopatas, como querem os psicanalistas. Delineamos espaços e ali fazemos nosso tempo. Nos limitamos e nos voltamos cada vez mais para o individualismo prático, sem ideologias. Compartimentamos sonhos, calculamos prazeres, ficamos incoerentes na base de nosso pensar e, principalmente, não temos mais curiosidade. Nos ensinaram a temer surpresas.

Para mim fica tudo muito claro. Reingressei recente ao meio social, atento a tudo para fazer o mais certo possível. Muito jovem, atirei-me à devoção daqueles que amei. Depois fui aprendendo que relacionamento é esforço contínuo e que é de fragilidades que se constroem fortalezas. Sei que todos somos profundamente carentes de afeto, consideração e respeito. As minhas carências sempre foram infinitas. Às vezes ultrapassavam minha capacidade de suportar. Mas sentir a importância que tinha para aqueles que me amavam, era luz que lavava a alma de brilho e calor. Enquanto conseguia essa importância, nada mais importava, nem a dor ou a morte. Mas nada é como é para sempre, tudo foi se transformando independente de minha vontade. A vida é uma grande ultrapassagem. Esta é uma lição das mais difíceis que ainda estou tentando assimilar.

Tudo fica mais difícil ainda porque esta tudo diante de nossos olhos. Enxergamos e sentimos, mas não verbalizamos, nem para nós mesmos. O pragmatismo ocidental vem usando métodos pavlovianos há décadas para nos convencer que o caminho é a acumulação econômica a qualquer preço. Através métodos sofisticados, usam o conhecimento acumulado acerca da psique humana para estimulara o consumo.

O que pensar? Relacionamentos, assumimos, fazem parte da vida produtiva que todos queremos. Há quem julgue em contrário. Gostaria de conhecer seus argumentos; devem ser bem interessantes. A partir de assumir que é fundamental o relacionamento para o desenvolvimento sadio da pessoa humana, é preciso assumir também que não sabemos quase nada sobre isso. Nos relacionamos mal e porcamente. Somos, na verdade, medrosos, mentirosos e nem um pouco amorosos. Tratamos os outros como somos tratados, não acrescentamos nada. Ninguém diz tudo o que faz e nem faz tudo o que diz. Conversamos desconversando de modo a estarmos ausentes, porque nada importa além de nós mesmos e nossos problemas. Nós temos problemas; os outros, bem, não importa.

Não tenho uma solução. Apenas posso afirmar por experiência, que o amor não é o principal elemento no sucesso das relações. Ele não se basta e carece de bases seguras para vicejar. Acredito, sinceramente, que a plataforma mais segura para desenvolver sentimentos e, portanto relações, é o respeito.

Composto por Luiz Alberto Mendes em 03/07/2006.