Estou muito preocupado com um amigo que mora do Estado que teve mais deputados votando contra o impeachment. Muito preocupado. Somos amigos há cerca de 16 anos. Sou testemunha de sua educação esmerada e de sua ética inatacável. É um sujeito humano, bom e que participa de todas as causas justas e coerentes. Eu jamais o vi em falha, nunca soube de um só deslize de sua parte, muito pelo contrário. A todos que o apresentei só ouvi falar bem e se tornaram amigos dele também. Dava para ficar tecendo elogios o texto todo, mas apenas saliento por conta do drama que ele tem vivido, exatamente pelo seu alto senso de humanidade e bondade.

Meu amigo é homossexual daqueles tão discretos que ninguém percebe, só mesmo quem o conhece intimamente. Nem lembro a quantos tempo atrás, creio que uns 10 anos. Em seus cometimentos de fazer o bem a quem necessita, em uma favela, ele conheceu um garotinho que não devia ter completado 3 anos de idade. A família era paupérrima, com muitos irmãos pequenos e a situação social deteriorada. Meu amigo pegou-se de compaixão pelo menininho e passou a visitá-lo, levar para passear, cuidar e apoiar a família toda. Com o tempo aquela compaixão virou amor e o amigo quis adotar o pequeno. A mãe, é claro, ao ver o filho assim querido e com um futuro garantido, prontamente resolveu apoiar a medida. Depois de anos de muita luta com papéis, juízes, promotores, psicólogos e assistentes sociais, saiu a ordem de adoção. Foi uma vitória para ambos: o menino já o chamava e tratava como pai.

O amigo é doutor, professor universitário e provem de uma família de posses, esta proporcionando uma infância de verdade ao garoto. Então aparece um outro garotinho em condições parecidas com o primeiro. Claro, meu amigo se apaixonou pelo menininho e raciocinou: quem cuida de um, pode muito bem cuidar de dois. E novamente lá foi meu amigo pedir guarida à justiça para ter a guarda sobre o garoto. Dessa vez foi mais fácil: havia provado ser capaz, o primeiro garoto estava sendo feliz e crescendo saudável. Vive em apartamento de primeira classe, com casa na praia, escola e professores particulares. E eis que o amigo vira pai e mãe de dois meninos. Não demorou para a felicidade viesse novamente bater à sua porta e finalmente, encontrou um parceiro que o merece e os quatro vivem uma vida que “pediram a Deus”.

Parece uma bonita história de ficção, não é? Mas não, é verdadeira. Eles são uma família e sou testemunha que são muito felizes juntos. Mas, não é mesmo, sempre existe o “mas”. Há o medo desses canalhas que querem legislar para a vida dos outros de acordo

com seus preconceitos religiosos. Não lhes basta suas famílias, que devem ser muito infeliz, pois quem é feliz não deseja prejudicar a família de ninguém, querem se meter com a família dos outros. Depois dessa demonstração de forças ao darem prosseguimento do impeachment da nossa Presidenta, podem querer avançar e votarem, como é desejo deles, um estatuto da família que só vá reconhecer a família de pai, mãe e filhos. E o medo é de que a família tão feliz de meu amigo vá sofrer algum impedimento e as crianças algum constrangimento.

O amigo, que tem posses, já cogita mudar-se para o exterior, algum país mais civilizado e educado, onde possa dar prosseguimento à felicidade de sua família. Quer dizer: quantos bons brasileiros vão ter que abandonar o país porque o preconceito e a ignorância por aqui campeia? Culpa de quem? Dá péssima escola, da má formação e da prejudicada educação que o nosso povo esta sujeito desde tempos imemoriais. Não conhecem o poder do voto, não sabem que podem modificar tudo que esta por ai. Incultos e ignorantes, crescem ingênuos para votam no primeiro charlatão que lhes falem de um Deus de mentira, parcial, vingativo, preconceituoso e que os apóia em detrimento aos outros. Paulo Freire já dizia que isso é fruto da periculosidade daqueles que realmente mandam neste país.

Deus não pode ser de alguns,

Há que ser de todos ou de ninguém

E da família de meu amigo também.

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Luiz Mendes

19/04/2016.