Tudo parece composto de paz. A vida dorme neste instante, sossegada e pura na madrugada. A noite vai alta e as estrelinhas brilham lá em cima. Eu queria falar de amor. Acordei agora com o coração inteiramente desperto para amar.

Acho que o amor é a mais profunda celebração do relacionamento humano. Expressa uma consciência de que não existimos plenamente sem o outro. Somos parte de um processo que só se completa na união à outra pessoa. No diálogo, que é a manifestação mais lúcida do amor, na acolhida, na busca do entendimento do outro, nos tornamos inteiros, de corpo vivo a dançar na vibração da voz. O indivíduo então, é considerado isoladamente, tem seu espaço de liberdade e de mistério, ao tempo que nos é transparente.

O amor também é ter fé de que as outras pessoas são capazes da impossível lealdade, da irrealizável fidelidade. Acreditarmos na magia, na força transcendente de nossos sentimentos. Que em recebendo nosso amor, nossa confiança, a pessoa ultrapasse toda possibilidade, vença as fronteiras do comum e se constitua nossa esperança de verdade e felicidade. E temos fé porque em nós percebemos a realização desse milagre inteiramente humano de ser, quando apaixonados.

Então amar é tentar o impossível para fazer todo o possível. O impossível esta no tempo a se transformar em possível, e porque não agora? Essa tremenda emoção não pode ser esse pobre tumulto provisório que abala nossos sentidos e endurece ou molha nosso sexo. Antes é uma floração de nós que vive em permanente primavera. Em que toda força de nosso corpo, a energia de nosso sexo e a lógica, a coerência do nosso pensamento estão unidas ao que forma nosso sentimento.

Amar aquele que nos odeia e persegue é aceitar que ele, como nós, seja capaz de libertar-se do ódio, esse inimigo cruel, e ultrapassar-se. Claro, esse é um projeto, não somos capazes ainda, mas não devemos duvidar que verdadeiro. As verdades são simples, como simples foram aqueles que nos as ensinaram.

O amor confirma-se quando se prefere o outro a nós mesmos. Quando preferimos que o outro tenha todo o lucro que a relação conosco possa trazer. Principalmente quando não temos a pretensão de responder a todas as necessidades e esperanças do ser que amamos. Nos julgamos onipotentes quando apaixonados e podemos perder a noção da realidade. É sempre um risco. Amar, em si, é um risco, assim como viver. Um confiar cego, um entregar absoluto e desarmado. Ficamos vulneráveis e fáceis, por isso as desilusões do amor doem tanto.

Amamos quando queremos que o ser a quem devotamos nosso mais profundo sentimento seja primeiro fiel a si mesmo. Mesmo que isso signifique angústia e dor, porque nos desprende de nós na fecundidade que mais nos enriquece. Aquele ser que beijamos tão ternamente, é um ser livre para viver todos seus possíveis, mesmo aqueles que não estão em nós viver.

Tudo, em se amando, é cheio de problemas e engendra crises. Não somos capazes de ter amor se não formos capazes de conquistá-lo na batalha da convivência do dia a dia. Como um ramo de uma árvore, o que sentimos, o que nos move ao outro, não pode ser arrancado pela tempestade da convivência. No que sentimos deve estar a claridade que nos submete o coração e que deve direcionar nossa vida. É sempre preciso exceder nesse tempo, tão longamente quanto sejamos capazes.

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Luiz  Mendes

01/09/2016