Nem todo suspiro é queixume. Não percebemos, mas suspirar é um reflexo vital em nossas vidas e isto, quem diz, é a ciência. Um suspiro pode ser apenas um ar que escapa ligeiro, determinado em se renovar. Tem dia que é cansaço, outro dia é saudade, às vezes uma alegria boba ou satisfação. Tem dias que me pego nostálgica, triste, acomodando a indignação. Aí do nada suspiro de amor. E há ainda os que surgem velozes se confundindo com um meio sorriso e escapam pelo nariz como um jato de ar curto (comum quando vemos memes, mas isso divide opiniões).

O fato é que tenho suspirado com mais frequência.

Tenho visto coisas duras e cruas nesta suspensão coletiva, dessas que nos engasgam e tornam o fôlego curto. Mas li em algum lugar que todo mundo respira em devir. Então, cada vez que a gente respira fundo, parece uma nova chance de vir a ser. Não digo isso para enfeitar o que sinto com metáforas e conceitos. Acho até que a palavra não precisa ser adorno nos tempos de agora. Digo isso porque a escrita sempre me renovou o ar, arejou minhas ideias e me fez viver de outro jeito. Escrever pra mim sempre teve relação com respirar. Quando escrevo é outro tipo de suspiro, é para me sentir viva.

Sempre gostei de viver! Mesmo sabendo que, na maior parte dos instantes, sobrevivemos. Mesmo sabendo que, para muitos – incluindo minha família –, nunca houve outra escolha senão sobreviver, apenas. Desde muito pequena entendi que tinha o instante de viver e a hora de sobreviver. E que seria mensurado assim mesmo: no contraste instante/hora. Não foi a filosofia que me trouxe essa percepção. Por muito tempo somente a arte me fazia sentir verdadeiramente viva. Ali no palco, na cena, na fala, no movimento, ali com os outros, aprendi os diferentes sentidos entre viver e sobreviver. E olha que sobreviver de arte nunca foi simples! Daí segui, sabe-se lá como, me desviando das estatísticas, cifras e sentenças sociais e fui agarrando o quanto podia porções generosas de “viver”. Pra mim, sem hesitação, viver tem dois verbos pilares: descobrir e aprender. Desconfio que são eles que nos sintonizam na etapa fundante de toda pessoa: a infância. Você descobre um sabor e aprende a comer. Descobre o chão e aprende a andar. Você descobre o espaço e aprende que sua mãe é uma e você é outr@. E essa pulsação segue. Anos depois você descobre alguém aleatório no facebook e dali a pouco aprende a amar essa pessoa. Na dança você descobre o movimento e aprende uma linguagem. Viver parece pulsar entre descobrir e aprender.

O que se aprende e descobre em uma pandemia? Tenho me perguntado o que cada um de nós precisa descobrir e aprender consigo mesmo. Não nas telas, cursos, índices e plataformas. Mas na real, naquele espaço silencioso de você com você mesma. Esperar passar não é uma escolha. Como bem diz Valter Hugo Mãe: “estou cada vez mais certa de que o paraíso são os outros”.

Parece irônico enfrentar um vírus invisível que nos toma o ar quando a maioria de nós já vive no sufoco. O sufoco do planeta, do aquecimento global, o sufoco da violência,

do corre, da desigualdade, da história se repetindo, de ser artista, mulher, o sufoco de sobreviver. Faz tempo que temos buscado ar tentando garantir as porções diárias de “vida” – e não de sobrevida – que deveriam ser um direito. Suspiro.

A gente já sabe que todo mundo vai processar esse agora de um jeito muito diferente, e tá tudo bem! Mas não quero, nem posso esquecer nenhum dia que, para muitos, “tá tudo bem” é impossível.

Me ocorre que além de respirar fundo o que se pode fazer diante de uma grande incerteza é perguntar. Porque são as perguntas que nos levam ao encadeamento do descobrir e do aprender. Viver é perguntar indefinidamente.

E ainda que sejam perguntas banais, longe das questões globais, penso que perguntas sempre aproximam. Então andei me perguntado e te perguntaria:

Quais são as delicadezas e gestos mais bonitos que você viveu nos últimos dias?

Você perdeu alguém?

O que você conseguiu aprender de novo nesse pequeno espaço de tempo?

O que de mais idiota – bobo, íntimo ou engraçado – você se percebeu fazendo?

Se você não consegue dormir à noite, o que costuma fazer?

Você já conseguiu realizar algo simples, corriqueiro, que queria ter feito há muito tempo?

Já parou pra pensar no mecanismo físico de um suspiro?

Quando imagina a vida dos outros, você tem vontade que dê certo?

Você se surpreende (ou se envergonha) por ter desejos inúteis e prosaicos a esta altura dos acontecimentos? (ontem precisei de pilhas e linha branca)

Você ainda “briga” com sua mãe mesmo não sendo mais adolescente? Conte-me mais.

Você de alguma forma ajudou alguém nos últimos dias?

Você tem pensado no seu package de habilidades/atributos profissionais para este agora?

Que assuntos estão na sua zona de interesse atual?

O que mais te assusta ou causa estranheza nesse agora?

E o que já era isolado, invisibilizado, como fica?

Você tem desenvolvido coisas boas, seja de pensar, comer ou fazer?

Quem tá escutando o que as crianças acham?

Quem você conheceu e que novas histórias ou pessoas entraram na sua vida recentemente?

Se pudesse estar agora nesse instante com alguém, com quem seria?

Em algum desses 31 dias você dançou?

Layane Holanda é artista da cena e do movimento. Gosta de planta  e tem dois cachorros. @layaneholanda

A cada terça e sexta um novo texto nessa nova seção. Acompanhe.