Peregrinar, na acepção de viajar ou correr por terras distantes ou diferentes recantos, é uma palavra que encanta e atemoriza. Afinal, ir à romaria por lugares santos ou de devoção pressupõe certo nível de religiosidade ou de espiritualidade. Mas, o que é religiosidade ou espiritualidade? Além da experiência única de conhecer de perto a beleza de santuários localizados em distintos países – Itália, Croácia e Bósnia Herzegóvina –, resta a sensação de que estes são termos complexos e, portanto, de difícil compreensão. Em termos amplos, disposição para as “coisas” sagradas, espirituais, místicas e / ou sobrenaturais. Em termos estritos, dispensam explicações.

Religião. Credos. Contradições. Dúvidas. Especulações. Religiosidade e fé ou religião e racionalidade jamais permitiram e, possivelmente, jamais permitirão respostas únicas e satisfatórias. Isto porque são esferas abstratas, que se movem a partir de sentimentos humanos. Estes são sempre obscuros em sua contemplação e prática diuturna. Conviver com um guia espiritual e um grupo de 45 pessoas, provenientes de diferentes Estados brasileiros, durante infinitas horas, fortaleceu nossa convicção da fragilidade do ser humano, de sua incoerência entre o falar e o fazer, e, em especial, entre oração e ação. Sem dúvida, estas se complementam, mas tal integração demanda harmonia entre orar e agir, o que, visivelmente, escapa, com frequência, da natureza humana.

Em meio ao reconhecimento de que estamos distantes do cotidiano eclesiástico, no sentido estrito do termo, nos demos conta de que tal afastamento não significa estranhamento a Deus, em sua bondade extrema e em seu amor ao próximo. Assim, espectadora atenta e reflexiva diante de belos santuários, catedrais e igrejas, e, também, de estudiosa perspicaz do comportamento humano, nos deliciamos diante de uma série de monumentos arquitetônicos religiosos. Ambas em Pádua, destaque para a beleza da Basílica de Santo Antônio de Pádua e da Capela Degli Scrovegni, a qual permite ao peregrino contemplar os afrescos de Giotto di Bondone, importantes obras-primas do Ocidente e que datam do longínquo ano 1305. E o que dizer da Basílica de Santa Clara (Assis, Itália) e da Basílica de Santa Maria dos Anjos da Porciúncula, nas imediações da mesma cidade? Merecem registro, ainda, a Basílica de São Francisco de Assis, na região italiana da Úmbria, além do santuário consagrado a São Pio de Pietrelcina, em San Giovanni Rotondo. O Milagre Eucarístico de Lanciano, século VIII na cidade italiana de Lanciano, quando ocorreu a transformação da hóstia em carne humana e do vinho em sangue humano, durante celebração litúrgica católica, constitui um dos exemplos magníficos de milagres reconhecidos pela Igreja Católica.

Em Veneza, Itália, a Basílica de São Marcos é um dos mais esplendorosos modelos da arquitetura bizantina. A Basílica Papal de São Paulo fora da Muralha ou Basílica Papal de São Paulo Extramuros ou Basílica Papal de São Paulo Fora dos Muros figura como uma das quatro basílicas papais de Roma, em conjunção com a Basílica de São João de Latrão, a Basílica de Santa Maria Maior e a Basílica de São Pedro. Esta é o maior e mais importante edifício religioso da Igreja Católica, no Estado do Vaticano. Aparece como um dos locais cristãos mais visitados do mundo, até porque permite às multidões vislumbrar, no caso, o Papa argentino Francisco. Eis o ponto máximo da peregrinação: audiência pública com o Sumo Pontífice! Momento memorável e inesquecível!

Fora da Itália, em Split, Croácia, a beleza estonteante das Igrejas de São Martinho e São Roque. A Rainha da Paz, nomeada por alguns de Nossa Senhora de Međugorje, em suas igrejas e pontos de aparição (Colina das Aparições, Monte Krizevac e Monte Via Crucis), por sua vez, atrai multidões à região da Herzegóvina, na República da Bósnia Herzegóvina, a 94,52 km da capital política do país, Sarajevo. De pequena cidadela bosniana sem muita significação histórica ou cultural, particularmente agrícola, com plantações de hortaliças, tabaco e vinhedos, Medjugorje passa à condição de santuário que compete com outros de reconhecimento internacional, apesar de não ter tido até então o aval do Vaticano, que ainda examina os milagres atribuídos à Rainha da Paz.

Mais do que a beleza física dos santuários, é o momento de discutir ou de refletir sobre a religiosidade. Chama atenção a fé de multidões que creem estar curadas diante de imagens de sua devoção ou a elas atribuem um rosário de milagres surpreendentes. É comovente escutar pessoas ou admirar seus rostos em plena contrição. É o momento em que, sem qualquer detalhamento histórico sobre a cisão ou aproximação entre ciência e religião ao longo dos séculos, admitimos ser eles segmentos não divorciados ou apartados. É óbvio que a fé acalenta as aflições do homem. Se não as elimina por completo, as ameniza e o fazem prosseguir. Brigas históricas entre racionalismo e fé fazem parte do passado. Há tendência crescente da aceitação de que ciência e religião caminham de braços dados. Qualquer que seja o credo ou o deus cultuado, apesar das arbitrariedades e das violências cometidas em nome de crenças, que ocorrem aqui e acolá, há sempre a intenção precípua de tornar o indivíduo menos imperfeito, tal como o fazem os avanços científicos e tecnológicos.

É visível que o exercício da fé traz serenidade aos que a professam, não importa o nível de escolaridade ou a natureza de suas personalidades – mais intuitivas ou mais racionais. Logo, é preciso cuidado para que a crença no Deus misericordioso se transforme, diuturnamente, em ações em prol do outro. Afinal, religiosidade é compaixão, e não apenas oração. Se as peregrinações trazem à tona esta constatação, é o dia a dia que comprova a delícia que é ou pode ser a “dobradinha” oração e ação!

 

*Graça Targino é Doutora em Ciência da Informação pela UnB, tem Pós-Doutorado pela Universidade de Salamanca e Mestrado em Comunicação e Educação pela Universidade Autônoma de Barcelona. 

 

(Publicado na edição #22)