Paulo Freire não foi apenas um professor; e não foi um teórico da educação, no sentido acadêmico. Por isso esse artigo não poderia ter o título “Professor-Teórico-Professor”; não seria uma boa abordagem da prática, da obra e do compromisso político de Paulo Freire. 

Paulo Freire foi um Educador; foi um Pensador. Sua concepção de educação não cabe dentro das paredes da escola, pois a vida é plena de “situações pedagógicas”; e a educação precisa ser iluminadora das potencialidades da vida. Desde seu primeiro livro, assumiu e propôs uma postura “filosófico-metodológica” que, para ele, é a marca da “humanização do homem em sua existência”: ação-reflexão-ação. 

O ponto de partida é sempre a ação, a prática; no seu caso, como Educador. Sua reflexão nasceu de sua prática na educação profissional (Recife-PE) e na alfabetização de adultos (Angicos-RN), no Nordeste do Brasil antes de 1964; é a fonte inspiradora de seu livro Educação como Prática da Liberdade. Sua reflexão ampliou-se para além do contexto educativo na sua prática como consultor no Instituto de Capacitación e Investigación em Reforma Agrária, no Chile, onde estava exilado; é a fonte do seus livros Extensão (Rural) ou Comunicação? e, sobretudo, de Ação Cultural para a Liberdade. 

Educação se associa a educação formal; Ação Cultural se associa a organização e atuação social e política. O pensamento de Paulo Freire passa a inspirar a ação de “educadores não-professores” nas mais diversas “situações pedagógicas” na vida organizativa mesmo de grupos que tiveram a oportunidade de completar sua educação escolar formal. Movimento sindical, de mulheres e de imigrantes, comunidades eclesiais de base, círculos bíblicos, brigadas de apoio a revoluções, rodas de conversa, etc.  

Nascia a ideia-força da conscientização que mobilizou dezenas de jovens universitários no Brasil de minha geração, por exemplo, no seu desejo de apoiar sem substituir e sem manipular as classes populares. 

reflexão é sua marca de Pensador: “toda prática educativa implica uma concepção do homem de do mundo”. A reflexão transforma a consciência ingênua em consciência crítica; supera a educação bancária com a educação libertadora; transforma a ação em práxis; e transforma a massa em Povo. Nascia a ideia-força da conscientização que mobilizou dezenas de jovens universitários no Brasil de minha geração, por exemplo, no seu desejo de apoiar sem substituir e sem manipular as classes populares. 

A reflexão é alimentada pelo diálogo; dialogicidade, eis outra ideia-força do pensamento freireano. E o diálogo não acontece apenas entre educador-educando, mas também entre assessor(a)-assesorados(as), dirigente-participante, companheiro(a)-companheiro(a). A célebre frase: “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo; os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo” se completa com outra: “ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”. Esta é a grande mensagem do Pedagogia do Oprimido.  

Na sua volta do exílio, Paulo Freire se torna professor na PUC de São Paulo e vive a experiência de Secretário Municipal de Educação de São Paulo, na administração Luiza Erundina. No Brasil e no exterior, as universidades cada vez mais discutem suas ideias como Pensador da educação. E suas ideias nascidas da educação extraescolar, ampliadas para o horizonte da ação político-cultural, “entram” agora para o ambiente da educação escolar. Dialogando com Piaget, Vigotsky e o construtivismo. 

Em seu último livro publicado em vida – Pedagogia da Autonomia: Saberes Necessários à Prática Educativa – Paulo Freire organiza o texto em torno de 27 exigências da prática pedagógica como “especificidade humana”. E começa justamente afirmando que ensinar exige… “rigorosidade metódica”, “pesquisa”, “criticidade”, “estética e ética’, “curiosidade”, além de retomar outras “exigências” que tematizou ao longo de sua atuação.  

Na reflexão, o diálogo não acontece apenas entre os presentes. A educação é uma “situação gnosiológica”, a educação é um ato de conhecimento. A reflexão incorpora o conhecimento sistematizado, acumulado. A troca de saberes envolve culturas diferentes e envolve momentos diferentes de uma mesma civilização. 

Por fim, toda a obra e prática de Paulo Freire sempre mantiveram sua preocupação antropológica de inspiração cristã: o respeito à dignidade da Pessoa Humana, ou seja, ação-reflexão-ação para Ser Mais; e Ser Mais exige Amorização. A Pedagogia da Liberdade e da Autonomia é a Pedagogia do Amor e da Esperança. 

Antônio José Medeiros é Sociólogo, professor aposentado pela Ufpi. Foi Secretário de Educação do Estado do Piauí, vereador de Teresina, Deputado Estadual e Deputado Federal.

Publicado na Revestrés#41 – maio-junho de 2019.