Primeiramente, Fora Temer.

Existe democracia no Brasil? Penso que a maioria de nós, cientistas políticas(os), concordaria que sim. Temos instituições relativamente estáveis, uma Constituição Federal  complexa e que determina as regras do jogo politico, eleições periódicas e competitivas. Mas e se a pergunta for transformada em, existe democracia de alta qualidade no Brasil? Nesse caso, penso eu, haveria discordâncias enormes entre minhas(meus) pares.

Quando falo aqui de qualidade democrática entendo que se trata de um conjunto de esforços para a expansão da democracia em dois principais eixos, o primeiro tem a ver com o fortalecimento das instituições do Estado, no sentido da maior cobertura, assertividade, justiça e transparência procedimental. O segundo eixo estaria no esforço de expansão e garantia dos direitos das(os) cidadãs(ãos). Uma boa representação para entendermos a importância desse movimento de aprofundamento da democracia no Brasil, seria pensar a democracia como uma árvore frondosa. Assim, instituições estáveis e fortes seriam as raízes que sustentam e dão a base ao estado democrático. No entanto, se raízes fortes e frondosas são importantes pra sustentar e nutrir a árvore, o empenho em fazer com que a árvore cresça, tenha folhas verdes e frutos suculentos, vai depender do esforço de expansão dos direitos individuais e coletivos em todos os seus meandros – civis, políticos, sociais e humanos. E só assim poderemos ver a complexidade e a qualidade da democracia florescer.

O aprofundamento da qualidade da democracia tende a ter fortes conexões com o que seria uma “radicalização” de todos os aspectos ligados à lógica democrática, dos procedimentos ao conteúdo. E qual o caminho para isso? O caminho parece estar relacionado a construção de um espírito republicano e um compromisso democrático das autoridades e dos cidadãos no sentido de energizar e tornar a democracia pujante.

No caso brasileiro a Constituição de 1988 já nos oferece excelentes diretrizes e importantes aspirações para a tentativa de chegarmos ao patamar de uma democracia de caráter complexo. Obviamente, o ideal de democracia tornou-se um pacote tão completo de questões a serem debatidas e pensadas, vindos da enorme heterogeneidade social e de demandas do país que, em alguns momentos, parece que não chegaremos lá. No entanto, passo-a-passo, a democracia brasileira tem se adaptado e criado arenas para a discussão e mediação desses conflitos. A percepção é de que o movimento tem sido lento, porém em sentido que ainda se pode computar como positivo.

Enfim, se os prognósticos são bons e se as ações do estado e sociedade civil, mesmo ainda pequenos, tem causado impacto poderoso em nossa jovem democracia a caminho de se tornar vigorosa – como a saída de milhões de brasileiras(os) da extrema pobreza, por exemplo -, a luta pela manutenção da democracia e das instituições democráticas deve sim ser questão central em nossas vidas e merece atenção especial. Se o Brasil caminhava, com os olhares surpresos e maravilhados do mundo inteiro, para ser um país que não mais desfilava no hall das “republiquetas de bananas”, mas no das democracias vibrantes e de grande potencial, hoje nos vemos em perigo. Encontramo-nos mergulhados em um movimento vergonhoso que nos tem levado a retrocessos gigantescos, colocando-nos de novo no meio de debates acontecidos na década de 30, na pré-Era Vargas, onde ainda titubeava-se sobre a importância da “Consolidação das Leis do Trabalho” (CLT). A sensação é de que entramos em um túnel do tempo do terror e trocamos as discussões modernas, difíceis e emancipadoras que fazíamos meses atrás – como os debates sobre o gênero, sexualidade e transexualidade, racismo, reforma política, fortalecimento do BRICs e Mercosul, reforma agrária, direitos das populações tradicionais indígenas e quilombolas, meio ambiente, redução da jornada de trabalho, licença paternidade, descriminalização do aborto e descriminalização do uso de drogas, etc. – por questões iniciais e basilares e que pensávamos já estarem devidamente superadas e pacíficas – como a separação entre estado e igreja ou se deveríamos privatizar o ensino público ou se o SUS é realmente necessário.

O caminho para uma democracia de alta qualidade, que antes parecia uma questão de tempo e luta dos movimentos sociais na introdução das pautas, agora parece nebuloso e incerto. Mas como diria nosso gênio armorial Ariano Suassuna, a melhor opção é sempre ser um “realista esperançoso(a)”, portanto a luta continua! E se agora, o único recurso para que retomemos os trilhos de uma democracia que intenciona ser cada vez mais robusta, parece ser a resistência firme, o debate público e a pressão à nossa elite política, então estejamos obstinados no fronte de batalha.

* Helga do Nascimento de Almeida é Doutoranda em Ciências Políticas – Ufmg

(Publicado na edição#26, agosto/setembro de 2016)