Enquanto estou na rede na varanda, o vai e vem do balanço transmuta-se com o vai e vem de uma mente inquieta e tomada pela certeza de que “se quer fazer Deus rir, conte a ele seus planos”. Ele riu. O universo. Os astros. Os orixás. Os espíritos. É que uma distância(social) foi colocada entre a vida que planejei ao me mudar de Teresina para São Paulo e a vida que encontrei em São Paulo. O que vem depois é uma pequena estória do que tenho em mãos por aqui.

 

Essa mudança de cidade considero o maior e mais importante passo que dei na minha vida. E ela se deu em meio à pandemia. Nem nos roteiros mais surreais isso seria previsto. Uma semana e meia foi o que consegui sentir desta babilônia chamada São Paulo. Um filme no cinema Belas Artes, um aniversário em um pub e um jogo do Flamengo em um barzinho. Esses foram os meus convívios sociais e respiro de novos ares nesta cidade que não para e nunca dorme. Ou pelo menos não parava.

Mas parar não estava nos meus planos. Voltar também não. Lamentar, lamentei. Mas a minha mudança para cá, planejada, sonhada, era o meu símbolo de vida, e “morrer” aqui, nas suas mais variadas formas, seria uma contradição. As minhas urgências por existir não entendiam o porquê de ter sido assim algo que planejei tanto. Porém, o que a gente não entende pode ser resolvido, de alguma forma, com o que se tem em mãos.

Com tantas dores em nosso país, às vezes eu começava a me sentir mal por querer a todo custo ser feliz e começar isso agora com O QUE TENHO EM MÃOS. Mas eu mesma me perdoava, porque eu quero urgência em resistir, eu quero e preciso sobreviver das dores do mundo, porque quero existir, porque quero ver mais gente existir.

E o que tenho em mãos em SP é a atitude de permanecer por aqui; a atitude em manter os cuidados que a pandemia pede; a atitude em deixar sempre aflorada a consciência de classe, social e política; a atitude em entrar em projetos para ajudar quem mais precisa; a atitude de buscar formas de lutar contra o desgoverno.

O que tenho em mãos em SP é o olhar dos meus pais, irmãos, sobrinhos e amigos nas chamadas de vídeo; o olhar da varanda para o movimento da rua; o olhar para um entardecer diferente; o olhar do Mutley, doguinho que aplaca um pouco a saudade que sinto da Mile, Dorothy e da Frida; o olhar para o meu trabalho; o olhar para as lives; o olhar para a música e o vinho; o olhar no olhar dos desconhecidos no supermercado; o meu olhar para mim; um olhar para as lutas dos outros.

O que tenho em mãos em SP é o afeto emancipatório da Renata e da Polly; o afeto delas que me fortalece e soma nossas lutas; o afeto da Renata e da Polly que me traz o verbo, a humanidade, o tempo, a roupa de frio, a companhia, o chocolate, o filme, o pão fresquinho, o poder de cura; o afeto delas que contraria Criolo e mostra que existe sim amor em SP; o afeto também da Elvira que me orienta e acolhe.

Mesmo com as dores do mundo fazendo carinho no ombro, o que tenho em mãos é a forma e o momento que me foram dados para resistir, é a expectativa da continuação, é metade angústia, metade esperança, é a sobrevivência, é a aposta de que as coisas podem dar certo, mesmo que de um jeito torto, para aquilo que procurei a vida inteira.

E é por aqui que reparto o que tenho em minhas mãos na cidade que escolhi viver. E aproveito para repartir algo que serve para o momento, que é um trecho de Amor nos tempos de Cólera, de Gabriel Garcia Marquez: “mas se deixou levar por sua convicção de que os seres humanos não nascem para sempre no dia em que as mães os dão à luz, e sim que a vida os obriga outra vez e muitas vezes a se parirem a si mesmos”.

Tenho me parido. A vida tem nos obrigado, mais uma vez, a “nos parir”. Torço para que tenhamos em mãos o necessário para isso.

Nahiza Monteles é piauiense, jornalista e atua com marketing digital. @hizamonteles

A cada terça e sexta um novo texto nessa nova seção. Acompanhe.

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