Um dos indicadores internacionais considerados para medir a qualidade de uma sociedade democrática é o grau de diversidade e pluralidade do sistema midiático do país. A Unesco, organização das Nações Unidas responsável pelo campo da comunicação, trabalha com indicadores que incluem aspectos como a concentração da propriedade dos meios, o acesso às tecnologias de comunicação e informação, a existência de mídias públicas e comunitárias e a presença de um discurso pluralista na mídia. Quando olhamos para o Brasil nesses quesitos, o quadro se mostra complexo e muito preocupante.

Durante anos foi comum ouvir que poucas famílias controlam a comunicação no país, mas a afirmação não é verdadeira. Aqui, uma única empresa, o Grupo Globo, concentra mais de 60% do capital circulante nos meios de comunicação. Em 2015, a Globobar (holding que não inclui os jornais e rádios da empresa) celebrou seus 50 anos concentrando três vezes a receita líquida somada de outros grandes grupos: Abril, SBT, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e RBS. A Rede Globo de Televisão é considerada a segunda maior cadeia de TV do mundo, com programação distribuída em todo o território nacional por meio de 5 emissoras próprias e 118 retransmissoras. Trata-se de um grupo sem rival, com um peso político praticamente sem igual nos países ditos democráticos.

Um poder que é reforçado pela ação e pela omissão do Estado brasileiro. Em 2003, primeiro ano do governo Lula, a fatia da TV Globo correspondia a 59% do total de propaganda na TV aberta pela administração direta e das estatais. De 2003 a 2016, foram 7 bilhões de reais recebidos do governo. Com 12 pontos de audiência, a emissora dos Marinho recebe atualmente 32% do total destinado ao meio. Ou seja, o Estado reforça a concentração.

Ao mesmo tempo, o Brasil carece de um marco regulatório que impeça o monopólio e fomente a pluralidade e a diversidade. Ao contrário do que fizeram vários de nossos vizinhos na última década, atravessamos os últimos 13 anos sem alterar as estruturas do sistema midiático brasileiro. Apesar de nossa Constituição proibir o monopólio das comunicações, não há uma lei que regulamente este conceito no campo da radiodifusão. Apesar do controle de emissoras de rádio e TV por deputados federais e senadores também ser proibido, hoje o Congresso conta com 40 parlamentares que são donos diretos de canais de radiodifusão.

Outra característica de nosso sistema midiático é a fragilidade da comunicação pública, que só começou a ser estruturada de fato em 2008, com a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Entretanto, por uma falta de visão de projeto, de orçamento e de prioridade para o setor por parte do governo federal, a EBC pouco avançou nos últimos anos e, agora, sofre a ameaça de um desmonte. O presidente da empresa, Ricardo Melo, segue no comando por força de uma decisão judicial e casos de censura de conteúdos são reportados diariamente. A perspectiva é a de que a TV Brasil seja fechada pelo governo ilegítimo de Michel Temer.

Ao mesmo tempo, os meios comunitários seguem restritos por uma legislação conservadora, que impede sua sustentabilidade e fortalecimento. A situação só tende a piorar com a fusão do Ministério das Comunicações com o Ministério de Ciência e Tecnologia, ordenada por Temer. Em junho, dois editais para emissoras educativas e comunitárias já foram suspensos, e a tarefa de fornecer acesso à internet para a população foi totalmente transferida às empresas de telecomunicação privadas. Os novos ventos agradam ao empresariado, contrário a qualquer regulação que promova a diversidade.

Não à toa, os principais meios de comunicação do país trabalharam fortemente para legitimar o processo de impeachment contra a Presidenta Dilma. De maneira sistemática, propagaram a ideia da corrupção como algo quase exclusivo do Partido dos Trabalhadores e a avaliação do governo Dilma como o pior de todos os tempos. Em geral, o tempo médio dado ao contraditório na cobertura da crise política foi de 10%. Com adjetivos repetidos à exaustão e a invisibilização de opiniões divergentes, os grandes meios construíram uma narrativa capaz de convencer a maioria da população e transformaram a mídia num componente central da concretização do golpe.

O quadro atual reforça a urgência de uma mudança regulatória que promova a diversidade e a pluralidade nas comunicações do Brasil, a partir de propostas como o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Mídia Democrática. Sabemos que a conjuntura não será de avanços no curto prazo, e sim de resistência contra retrocessos. Mas esta deve ser uma agenda central dos setores democráticos. Do contrário, veremos outras vezes nossa democracia ser atropelada pela articulação dos poderes político, econômico e midiático para definir os rumos do país.

*Bia Barbosa é jornalista, coordenadora do Intervozes e secretária geral do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação.

(Publicado na edição#26, agosto/setembro de 2016)