Por Carlos Alberto da Silva Moura Júnior

Recebi com incredulidade a notícia da morte da professora Maria Sueli. Tinha conhecimento da doença que a acometia, mas não da gravidade do estado em que se encontrava. Eu não cheguei a ser dos alunos mais próximos, seus pupilos eram tratados como verdadeiros filhos, ela os colocava debaixo da asa e nunca mais perdiam essa proteção. No entanto, tive a sorte de contar com o carinho dela desde as primeiras aulas. Todos os anos sabia que os parabéns pelo meu aniversário era uma notificação garantida. Certa vez fui homenageado no dia da consciência negra no meu bairro Rosário em Oeiras, primeiro reduto do povo negro do Piauí. Nessa oportunidade a professora Sueli comentou que tinha muito orgulho de mim. Esse pequeno comentário vindo dela, uma das principais militantes do povo negro desse estado, foi algo tão profundo e caloroso para minha alma, que sempre que recordo meus olhos transbordam em lágrimas.

A Professora Sueli tinha um perfil bem diferente do que se costuma ver no meio predominantemente masculino e conservador dos cursos de Direito. Mulher, feminista, negra, militante, defensora dos direitos humanos. Foi justamente este perfil que a tornou um ícone no Departamento de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Piauí. Fui da primeira turma dela na UFPI, e ela dizia sem filtro algum que teve receio de assumir o concurso porque o nosso curso era muito elitizado. Anos depois ela diria que se arrependeu de ter trocado a UESPI pela UFPI. A julgar pelo que ela enfrentou, incluindo a interrupção de uma de suas aulas por um grupo fascista, não podemos julgá-la. Nós, de outro lado, só temos a agradecer por este “sacrifício”.

Nunca deu importância aos sobrenomes, em saber a profissão do pai, da mãe, tio ou tia de ninguém. Gostava de bons alunos, independente da origem deles. Se conquistou um mar de seguidores, simpatizantes, pessoas que a amavam, não era por ter nenhuma posição social. “Somente” tinha a oferecer o seu carisma, seu lado humano, um coração enorme, era uma mãezona. Inspirava com naturalidade, a sala de aula era sua vida, dava aula por amor, vocacionada, não estava ali a passeio, por status, fazia o que gostava e se entregava a isso.

Os ideais que Sueli plantou já deram frutos. Toda uma geração de estudantes que ela inspirou já está por aí: nas salas de aula, nos cargos públicos e privados, dando seguimento ao seu pensamento.

Tinha uma força pessoal que era uma coisa impressionante, não se curvava. Defendia o que achava que era correto e justo sem a preocupação com convenções sociais, com corporativismos de classe, com possíveis danos que respingariam sobre sua carreira. A sua coragem era algo admirável num mundo e num meio tão cheio de aparências. Sempre esteve presente no campo político, dizia que política era tudo, o Direito era apenas instrumento da política, daí porque não poderíamos nos esquivar de nossas responsabilidades. Lutou, combateu o bom combate até o fim.

Maria Sueli se foi, ou, como cantaram ao som dos atabaques no memorial Esperança Garcia: “ancestralizou”. No seu velório uma amiga me disse: “pelo menos você acredita que existe algo além daqui”. Acredito. Assim como tenho certeza que ela está bem, por todo amor que espalhou, por todo o bem que praticou em vida. As minhas lágrimas não foram derramadas pelos mortos, tenho pena dos vivos. Dói saber que o mundo precisa de Marias Suelis. Nós ficamos sem uma figura fundamental. O Departamento de Ciências Jurídicas da UFPI perdeu uma peça insubstituível. Que será das novas gerações sem esse contraponto, sem esse ponto fora da curva que ela representou durante sua passagem na UFPI?

Pessoas morrem, mas ideias não. Os ideais que Sueli plantou já deram frutos. Toda uma geração de estudantes que ela inspirou já está por aí: nas salas de aula, nos cargos públicos e privados, dando seguimento ao seu pensamento, imortalizando-a. Maria Sueli, presente! Sempre! A luta continua!

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Carlos Alberto da Silva Moura Júnior é professor, Mestre em Direito e ex-aluno de Sueli.