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Entre a sublimidade e a concretude da linguagem em Hálito das pedras, de Antonio Carlos Secchin

Por Alexandra Vieira de Almeida

A poesia de Antonio Carlos Secchin, professor emérito da UFRJ e membro da Academia Brasileira de Letras, aponta para uma cabeça bifronte, que reúne, num mesmo imaginário linguístico, a dupla chama do real, revelando-lhe a sublimidade e, ao mesmo tempo, a concretude do que é presente em nossa realidade mais cotidiana. Consegue misturar, em poemas de forma fixa, a solenidade formal com a temática irônica e humorística, em textos poéticos que se adensam no chão da experiência trivial e, por outro lado, ultrapassam as margens do real, a partir da simbologia das belas metáforas em sua diafaneidade. O livro Hálito das pedras (Penalux, 2019), cujo curador da edição é o potente Diego Mendes Sousa, apresenta uma coletânea dos poemas de Secchin ao longo de toda a sua trajetória literária. 

O livro se divide em quatro partes. “Pedras fundamentais”, a primeira, reúne a poesia essencial do escritor carioca. Na segunda parte, “Pedras de fogo”, temos a força maior da metalinguagem e a intertextualidade de Secchin. “Pedras polidas”, terceira parte, reúne o seu exímio trabalho de sonetista. Finalmente, em “Pura pedraria”, a simbiose entre natureza e linguagem. O título é retirado de um verso do primeiro poema do livro. Foi escolhido, belamente, pelo prefaciador e curador desta publicação. Uma escolha perfeita, um resumo da tessitura da obra de Secchin, ao associar “hálito”, que, figuradamente, significa brisa, sopro e aragem, metáfora do elemento aéreo e sublime da poesia, à “pedra”, que revela, ao mesmo tempo, a matéria e o espírito da letra. A poesia de Secchin reúne o sublime e o carnal num mesmo hálito, dimensionando a força ambígua do literário. No poema que abre o livro, temos: “Operário do precário,/me limito nesse corpo amanhecido,/asa e gozo onde a morte mora”. Secchin hibridiza polaridades, mesclando o sopro da sublimidade ao elemento concreto da poesia, em seu viés cotidiano. 

Outra característica contundente em sua obra é o processo de autoironia. O poeta reflete, com riso e extrospecção, sobre seu próprio fazer poético, sendo que a realidade acontece ao mesmo tempo em que se dá a leitura do poema, no seu agora, no seu já e instante: “Não posso dar-me em espetáculo/A plateia toda fugiria/antes mesmo do segundo ato”. 

Não temos em Antonio Carlos Secchin o excesso do voo de Ícaro. Não temos a soberba da linguagem. O poeta impõe os limites do voo na sua poesia para que haja uma ordem em meio ao símbolo.

Em “Pedras de fogo”, se descortina o paradoxo da luz e da sombra, como na epígrafe do próprio Secchin, o fogo é o lado obscuro da chama e se revela, assim, uma “filopoesia”, uma análise crítica, um pensar poético, que é fogo prometeico que trouxe a sabedoria para os homens. Aqui, podemos nos deparar com o coloquialismo de alguns poemas em meio à sublimidade poética em outros. Em “A um poeta”, temos a multiplicidade do gênero lírico em suas várias formas e expressões. A polifonia de vozes em Secchin é formidável, atingindo a plenitude do gênero lírico, além do grandioso poder da metalinguagem e dos processos intertextuais da escrita, dialogando com a tradição literária. 

Em “Pedras polidas”, Secchin reconstrói seu périplo próprio como sonetista a partir do humor e da ironia. Com temas leves e humorísticos, alcança com plenitude seus leitores. A desconstrução da forma fixa do soneto é um processo genial no seu trabalho de escritor. Mais uma vez aqui, o teor de autoironia é recorrente. Os diálogos cotidianos quebram a diafaneidade da temática do sublime poético, como se vê em “Soneto da boa vizinhança”. O tom de conversa e de amenidades confere leveza ao poema. Entre a seriedade e o cômico, o poeta constrói seus mais belos sonetos. 

Em “Pura pedraria”, há forte presença da natureza, transformada pela linguagem. Nos quatro primeiros poemas, temos o ar, o fogo, a terra e a água. Nos poemas iniciais, podemos perceber a sublimidade do que é concreto. A profundidade dos elementos cria um alfabeto da natureza semiótica, numa textualidade do que é natural, mesclando a natureza e a cultura. Em “O galo gago”, poema depois transformado em livro infantil, contrariamente à gagueira do galo, Secchin não titubeia, pois é perfeito em suas magistrais construções poéticas. 

Portanto, perfazendo seu voo moderado e contido, não temos em Antonio Carlos Secchin o excesso do voo de Ícaro. Não temos a soberba da linguagem. O poeta impõe os limites do voo na sua poesia para que haja uma ordem em meio ao símbolo. Secchin seguiria o conselho de Dédalo, que disse, de acordo com O livro de ouro da mitologia, de Thomas Bulfinch: “Ícaro, meu filho – disse, quando tudo ficou pronto para o voo, recomendo-te que voes a uma altura moderada, pois, se voares muito baixo, a umidade emperrará tuas asas e, se voares muito alto, o calor as derreterá”. 

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Alexandra Vieira de Almeida é poeta, contista, cronista, resenhista e ensaísta. Doutora  em Literatura Comparada (Uerj), professora da Sec. do estado de Educação (RJ) e mediadora de ensino superior a distância. Autora de sete livros de poesia, sendo o mais recente O pássaro solitário (Penalux, 2020).

Texto publicado em Revestrés#48.

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