Outro dia alguém disse que o inimigo que nunca derrotaremos e que nos levará ao encontro dos dinossauros já está aí, entre nós. E que seria um vírus. Para esse alguém, esse inimigo impossível de ser derrotado não virá do nada, do além, de outro ponto do universo, de algum lugar dos multiversos. Nosso inimigo, que nos humilhará, silencioso, e nos exterminará, sem grandes pretensões, está dentro de outro alguém, que nem o sabe. Talvez em mim. Talvez em você.

 

Temos medo das coisas muito grandes. Asteroides, explosões solares, terremotos, solidão. Veja bem que o medo vem da sensação de sermos bem pequenos. Não há como não dar razão aos nossos medos. Basta olhar uma montanha e vemos o quanto somos pequenos. Basta olhar nossos pés e compará-los a qualquer caminho que desejamos seguir, que nos vemos em nossa mínima condição. Humana.

E há essa ironia. Temos esse medo das coisas enormes e há o risco de que sejamos eliminados de uma vez por todas da face da Terra por algo que ninguém consegue ver sem microscópios ultrapotentes de última geração.

Lembro de uma coisa que vi na TV e que talvez tenha sido a única coisa realmente importante que já vi na TV: vi que é impossível dois átomos se tocarem e que, por isso, na realidade, nós nunca tocamos em nada. É física quântica isso, dizem: dois átomos nunca se tocam.

Isso significa que quando nos abraçamos nossos corpos não se tocam. Que, quando nos beijamos, nossos lábios não se tocam. Que naquelas noites que viramos juntos, sorrindo um dentro do outro, estávamos, essencialmente, sozinhos. Cada um consigo mesmo. Que triste isso. Que físico, isso. Que estranho, isso.

Temos medo das coisas grandes e não percebemos que é das pequenas coisas que mais devemos ter medo. Como vi na TV, são essas mínimas distâncias o que nos afasta. As distâncias entre dois átomos são abismos colossais entre nós, eu e você, e entre nós, nós e o mundo. Não sei bem o que fazer com isso. Não sei bem. Não sei se agora tenho mais medo de asteroides, de vírus ou de “entreátomos”.

Por via das dúvidas, se sobrevivermos, dê cá um abraço. Por via das dúvidas, se sobrevivermos dê cá um beijo. Por via das dúvidas, se sobrevivermos, vem, deita aqui e me ama. Um pouco mais forte que de hábito, um pouco mais fundo que de costume.

Quem sabe a próxima descoberta da física quântica seja a de que ela, a física quântica, estava errada. E que cada átomo meu consiga beijar cada átomo seu e nossos átomos consigam viver juntos e felizes para todo o sempre.

André Gonçalves é escritor, artista visual, publicitário e um dos fundadores e editores da Revestrés. @andrepiaui

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