Uma boa surpresa revelada: Na Revestrés#47 publicamos o artigo “Um encontro sem grandes consequências”, de Pedro Henrique Santos Queiroz, com uma análise da foto tirada por Luís Humberto numa quinta-feira, 16 de fevereiro de 1978, no Congresso Nacional, em Brasília. Na imagem, o presidente do Senado, piauiense Petrônio Portella, recebe o líder metalúrgico Luiz Inácio da Silva, o Lula. O texto de Pedro Queiroz diz: “A postura corporal de Lula não é a de alguém que esteja à vontade: seus olhos miram para baixo e o paletó de brim cinza que segura com a mão esquerda mantida à altura do peito como um cabide parece servir como anteparo de defesa visando manter o interlocutor a uma certa distância”. E depois completa: “Ao fundo, um homem alto, de barba e óculos escuros, cuja identidade desconhecemos (algum repórter, talvez? Um funcionário de gabinete?).”

Pois o homem alto nos escreveu. Era Hélio Doyle, jornalista. Ele nos disse: “Eu era da Veja e cobri o encontro, sou a figura que aparece na foto e ele supõe ser um repórter. Na mesma noite jantei com Lula, junto com Dr. Maurício e com o também jornalista Armando Rollemberg e ele (Lula) nos contou toda a conversa e por que não vestiu o paletó”. Revestrés, claro, convidou Doyle pra nos contar tudo. E você ler neste texto.

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Conheci Luiz Inácio da Silva, que ainda não havia incorporado o apelido Lula a seu nome, no dia 16 de fevereiro de 1978. Lula, aos 33 anos, era presidente do importante Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, cidades onde se localizavam grandes indústrias e montadoras de automóveis, e se destacava como expoente de uma nova geração de dirigentes sindicais.

Lula tinha vindo a Brasília para ser recebido pelo presidente do Senado, Petrônio Portella, o mais importante líder político da Arena, partido que apoiava a ditadura militar. Portella havia sido incumbido de conversar com personalidades da sociedade civil brasileira para elaborar uma reforma política que consubstanciasse a “distensão lenta, gradual e segura” prometida pelo general Ernesto Geisel. Era chamada de “Missão Portella”.

Petrônio Portella, presidente do Senado, recebe o líder metalúrgico Luiz Inácio da Silva, o Lula, no Congresso Nacional, em 16 de fevereiro de 1978 | Foto: Luís Humberto

Eu era jornalista na sucursal da Veja e fazia a cobertura política. Portella era uma das minhas principais fontes e conversava com ele todas as semanas, geralmente às quintas-feiras, muitas vezes em sua residência oficial. Acompanhava praticamente todas as reuniões que fazia, em Brasília, para cumprir a missão que levava seu nome. Era natural, assim, que cobrisse o encontro com Lula.

Mas eu tinha um interesse específico, além do profissional: a oportunidade de me apresentar ao dirigente sindical que despontava como a maior liderança do novo sindicalismo. Afinal, eu era diretor do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal, como delegado no Conselho de Representantes da Federação Nacional dos Jornalistas. Na onda da renovação sindical que tomava o país, havíamos derrotado em 1977 a chapa da diretoria alinhada à ditadura desde 1964, e elegido um dos maiores jornalistas do país, Carlos Castello Branco, para presidir nosso sindicato.

Lula chegou ao Senado acompanhado do advogado do sindicato, Maurício Soares, anos depois eleito prefeito de São Bernardo. Estranhei por carregar o paletó cinza no ombro, em vez de vesti-lo. Talvez para mostrar o desconforto de um operário por ter de usar paletó e gravata, pensei. Ou talvez para marcar uma diferença em relação aos demais interlocutores de Portella. Mas isso não era, para mim, o mais importante.

Os repórteres e fotógrafos entraram na sala em que Portella recebeu Lula, e meu colega de Veja, Luiz Humberto — um dos grandes fotógrafos brasileiros, recentemente falecido — registrou o momento em que Portella e Lula estão frente a frente, ao lado o doutor Maurício, que era como Lula o chamava. Ao fundo, na sombra, estou eu. Depois dos cumprimentos os jornalistas foram retirados da sala, como era praxe, para que os três conversassem reservadamente.

Quando acabou a reunião, Lula deu uma entrevista explicando que havia levado uma pauta puramente sindical e com reivindicações de interesse dos trabalhadores, como a autonomia dos sindicatos e a implantação do contrato coletivo de trabalho. É importante observar que a primeira grande greve dos metalúrgicos de São Bernardo, que Lula liderou, foi em maio, depois desse encontro, e que naquela ocasião não se falava ainda na criação de um partido de trabalhadores.

Terminada a entrevista, aproximei-me de Lula e me apresentei como diretor do sindicato. Ele logo se interessou, falou em Audálio Dantas, que presidia o sindicato dos jornalistas em São Paulo, e propôs que nos encontrássemos à noite para conversar mais. Voltei para a redação da Veja e de lá liguei para Armando Rollemberg, que também representava nosso sindicato no conselho da Fenaj, convidando-o para a conversa com Lula e Maurício.

Fomos a um restaurante famoso pela carne de sol, a Maloca Querida, na 107 Sul. Lula contou da articulação de dirigentes sindicais de vários estados e nos convidou para participar de uma reunião que seria realizada na sede do Dieese, em São Paulo. Lá teríamos a oportunidade de conhecer os demais sindicalistas que participavam do movimento, como Jacó Bittar, Olívio Dutra, João Paulo, Arnaldo Gonçalves e muitos outros.

Lula não sabia, mas eu era dirigente regional de uma organização clandestina de resistência à ditadura, a Ala Vermelha, na qual Armando também militava. E militantes da Ala em São Paulo trabalhavam muito próximos a ele, publicando o ABCD Jornal e atuando politicamente entre os metalúrgicos da região.

A partir desse encontro, passei a ter contatos diretos com Lula e a participar ativamente das articulações sindicais nacionais, representando nosso sindicato e a Frente Intersindical que criamos em Brasília. Mas eu não estava nas primeiras conversas para criar o PT, pois a Ala, sem uma direção nacional à época, tinha posições diferentes, nas regionais, quanto a participar ou não do novo partido.

Até que em uma tarde estava no Comitê de Imprensa da Câmara dos Deputados quando lá apareceu o jornalista Alípio Viana Freire, dirigente da Ala em São Paulo e um dos que militavam no ABCD. Alípio me disse que os camaradas da Ala em São Paulo consideravam importante estarmos na direção nacional do PT, que seria criado em breve, e que Lula e os sindicalistas aceitavam a indicação de meu nome, pois era também um dirigente sindical, próximo a eles, e seria um representante de Brasília. Alípio tinha vindo a Brasília para me convencer a aceitar a tarefa.

E foi assim que, dois anos depois daquele dia em que conheci Lula graças à Missão Portella, participei da reunião de criação do PT, no Colégio Sion, em 10 de fevereiro de 1980. De lá saí como integrante da primeira comissão diretora nacional provisória, sendo um ano depois eleito para a primeira comissão executiva nacional do partido.

Ah, no jantar, sem que eu perguntasse, Lula explicou porque não tinha vestido o paletó cinza: tinha pegado emprestado, de alguém que não me lembro, e estava muito apertado nele.

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HÉLIO DOYLE é jornalista, professor aposentado da UnB e consultor em comunicação e política. Diretor da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), em Brasília. Foi Secretário de Estado em três governos do Distrito Federal.

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Publicado em Revestrés#49.

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