A menos de uma semana das eleições, e com o quadro aparentemente consolidado para a disputa do segundo turno entre o candidato de extrema-direita, o deputado federal e ex-capitão do exército, Jair Bolsonaro (PSL), e o ex-prefeito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), escolhido pessoalmente pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a grande preocupação agora é com a sobrevivência do fragilíssimo sistema democrático brasileiro. Pela primeira vez, desde o fim da ditadura militar, o líder das pesquisas de opinião congrega menos de 30% das intenções de votos, e ambos, Bolsonaro e Haddad, possuem um alto índice de rejeição (46% e 30%, respectivamente). Isso demonstra que, ganhe um ou outro, certamente nenhum deles conseguirá a tranquilidade necessária para governar.

O discurso de Bolsonaro, conhecido por suas truculentas declarações racistas, misóginas e homofóbicas, beneficia-se da galopante deterioração do país, provocada pela pior recessão da história; pela dissolução completa dos sistemas de saúde e educação; pelo caos na segurança pública; pela desmoralização da classe política, mergulhada na corrupção, e do Poder Judiciário, assolado pelos desmandos; e pela desmobilização dos movimentos populares. A frustração, a apatia e a desesperança são alimentos que nutrem o fascismo, em todas as épocas. Navegando nas águas do forte sentimento antipetista de parte da população, Bolsonaro flerta, perigosamente, com a implantação de um regime totalitário – seu vice é um general da reserva, Hamilton Mourão, que mantém fortes vínculos com as Forças Armadas, e o núcleo de sua campanha é formado por nove generais e um brigadeiro, todos também da reserva.

Já Haddad encabeça uma chapa pura de esquerda – sua vice é Manuela D’Ávila, do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) -, a primeira desde 2002, quando o PT iniciou seu ciclo de governança, após três derrotas consecutivas. Lula e a ex-presidente Dilma Rousseff foram guindados ao poder sempre tendo como vice candidatos de centro-direita – Lula com o empresário José Alencar, e Dilma com Michel Temer, atual presidente, político ligado ao fisiológico MDB. Por conta de importantes conquistas sociais obtidas sob seu governo, Lula mostra-se novamente um ótimo cabo eleitoral. Mesmo estando na cadeia, sob a alegação de corrupção, ele consegue transferir boa parte de seus votos para Haddad, um nome desconhecido do grande público, assim como antes havia feito com Dilma.

Outro ponto a ser observado é que Bolsonaro encabeça uma chapa sem partido – o tal Partido Social Liberal é apenas uma sigla -, ou seja, caso eleito, ele não possui quadros próprios. Sua proposta de governo, uma mescla confusa de ultraliberalismo na economia, autoritarismo na política e conservadorismo nos costumes (ele promete colocar militares nos principais postos ministeriais), não responde às expectativas de resolução dos graves problemas nacionais. Por outro lado, restam dúvidas, caso Haddad seja eleito, se ele vai radicalizar as propostas anteriores do PT, pressionado pelas correntes ideológicas que se situam mais à esquerda de seu partido, que desejam vingança contra os que levaram Lula à cadeia e aplicaram o golpe contra Dilma, ou fará acordos para governar, tentando contornar o profundo sentimento antipetista que se instalou em parte da sociedade, principalmente na classe média formadora de opinião, ressentida com as perdas provocadas pela crise econômica e atiçada pela sanha partidariamente inquisitorial do juiz Sergio Moro, que encabeça a Operação Lava-Jato.

Um ou outro (eleito) terá de fazer concessões a um Legislativo totalmente desmoralizado. Mesmo corroído por denúncias de corrupção, as eleições devem promover uma baixa renovação no Congresso Nacional, de 35% a 40%.

De qualquer forma, um ou outro terá de fazer concessões a um Legislativo totalmente desmoralizado. Mesmo corroído por denúncias de corrupção, as eleições devem promover uma baixa renovação no Congresso Nacional, de 35% a 40%, menor, portanto, que o índice histórico, de 49%, devido às recentes alterações promovidas no sistema eleitoral – com redução substancial do tempo de campanha, fato que favorece os candidatos à reeleição. Para agravar ainda mais o quadro, os serviços de inteligência detectaram que as facções criminosas ligadas ao tráfico de drogas e de armas estão atuando para influenciar o processo eleitoral, financiando candidaturas de seus integrantes ou de pessoas a elas ligadas, e coagindo eleitores em suas áreas de dominação a votar em seus nomes de confiança para os Legislativos estadual e federal.

Além disso, deve crescer o número de representantes das correntes denominadas evangélicas (pentecostais e neopentecostais), que hoje já contam com cerca de 200 parlamentares no Congresso Nacional. A Confederação dos Conselhos de Pastores do Brasil, entidade que congrega as principais agremiações evangélicas, apoia oficialmente a candidatura de Bolsonaro, cujo homem forte é o senador Magno Malta, líder da frente evangélica no Congresso. A frente defende pontos de vista semelhantes a Bolsonaro, e se articula contra temas como igualdade de gênero, aborto e casamento entre pessoas do mesmo sexo, entre outros.

Há ainda a questão da representatividade destas eleições. Em 2014, 27 milhões de eleitores não compareceram às urnas e outros 13 milhões (9,6% do total) votaram em branco ou anularam seus votos para presidente da República. Somados, brancos, nulos e abstenções atingiram 40 milhões de pessoas, ou seja, 28% do total do eleitorado naquele ano. Agora, a pouco menos de um mês das eleições, 13% dos eleitores, algo em torno de 19,2 milhões de pessoas, se dizem dispostos a anular seu voto ou votar em branco para Presidente – eram 6% em 2014 -, afora um contingente ainda desconhecido de pessoas que, desiludidas, vão simplesmente se ausentar das urnas.

De qualquer forma, quem vencer o pleito contará com um cenário assustador. O governo Temer é avaliado negativamente por 81,5% da população – considerado péssimo para 62% dos entrevistados e ruim para 19,5%. Após a pior recessão da história do Brasil – dois anos de crescimento negativo (-3,8% em 2015 e -3,6% em 2016), crescimento pífio no ano passado (1%) e perspectiva parecida para este ano (1,6%), a retomada da economia deverá ser bastante complicada. Especialistas acreditam que pode demorar uma década para retomarmos os níveis de emprego e renda do período pré-crise. Assim, acuada por uma taxa de desemprego altíssima (12,3%), num país que não proporciona uma rede de seguridade social, a violência explode. Em 2017, foram 63,8 mil homicídios, o que equivale a 30,8 homicídios por 100 mil habitantes (a título de comparação, a taxa da Alemanha é de 1,25 assassinatos por 100 mil habitantes) e 42 mil mortos no trânsito, outra forma de violência (na Alemanha, o número é de 3,2 mil ao ano).

O clima de instabilidade política piorou ainda mais após o atentado sofrido por Bolsonaro, no dia 6 de setembro, quando um sujeito mentalmente desequilibrado o feriu com uma faca. Antecipando uma possível derrota no segundo turno – todas as pesquisas apontam vitória de seu adversário, seja ele quem for -, Bolsonaro vem incitando o fanatismo extremista de seus correligionários ao afirmar que o atentado foi uma ação orquestrada pela esquerda, tese já descartada pelas investigações policiais, e que as urnas eletrônicas são passíveis de fraude, sendo que ele mesmo foi eleito sete vezes pelo sistema. Seu discurso, aliás, alimenta-se de um outro, do comandante do exército, general Eduardo Villas Bôas, que no dia 9 de setembro declarou “o atentado sofrido por Bolsonaro confirma que estamos construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade, e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada. Por exemplo, Bolsonaro, não sendo eleito, pode dizer que prejudicaram a campanha dele. Sendo eleito, provavelmente será dito que ele foi beneficiado pelo atentado, porque gerou comoção. Preocupa que este acirramento das divisões acabe minando tanto a governabilidade quanto a legitimidade do próximo governo”.

No Brasil, quando os militares se pronunciam, ainda mais neste tom de ameaça, a democracia, já frágil, entra em estado de alerta.

Luiz Ruffato – Autor de Eles eram muitos cavalos, Estive em Lisboa e lembrei de você, e do ciclo Inferno provisório, publicados pela Assoziation A, recebeu o Prêmio Hermann Hesse em 2016.

Artigo publicado originalmente no jornal Südeutsche Zeitung, de Munique.