A produção literária do escritor piauiense Assis Brasil atravessa gerações de leitores, desde a segunda metade do século XX às primeiras duas décadas do século XXI, abrangendo as suas facetas de criação voltadas para o público adulto, criança e adolescente, numa prosa ficcional de múltiplos gêneros literários, como conto, novela e romance. Nessa travessia, a condição humana é a matéria-prima para o seu universo literário, que transfigura histórias muito próximas do horizonte de vivências dos leitores. Assim, ele advoga por uma estética da formação humanística, sem perder de vista os fios da fantasia, da aventura e do heroísmo, que tecem a história da literatura mundial.

No conjunto da sua produção literária, Assis Brasil cultivou a partir da sua extraordinária imaginação um volumoso conjunto de histórias para crianças e jovens. São cinquenta e seis obras publicadas para esses leitores, trazendo à tona o cerne da condição humana (como em Os habitantes do espelho), as relações do homem com a natureza (em A sabedoria da floresta; O mistério da caverna da coruja vegetariana; O cantor prisioneiro) e as descobertas da ciência (em Contatos imediatos dos besouros astronautas; Nemo, o peixinho filósofo), a relação com as culturas indígenas (em Desafios de Kaíto; Yakima, o menino-onça), e outros aspectos fundamentais da convivência no mundo real, a exemplo o cotidiano de crianças faveladas (em Pequeno pássaro com frio) e a migração nordestina (em Mensagem às estrelas). Todas essas temáticas são, ainda hoje, objeto de discussão da literatura.

Na sua juventude, Assis Brasil era um leitor de histórias de aventuras, como as dos autores Robert Louis Stevenson, Jonathan Swift, Daniel Defoe, Lewis Carroll, Jules Verne, que exerciam fascínio sobre os jovens leitores de seu tempo. Além desses escritores europeus, ele também teve contato com obras de escritores nacionais, como José de Alencar, que o influenciou na criação do seu primeiro livro Verdes mares bravios, publicado em 1953, pela editora Aurora do Rio de Janeiro, cujo enredo trata sobre a vida dos jangadeiros cearenses. Essa formação leitora do escritor piauiense é importante para a sua trajetória literária, porque se reflete na composição dos seus livros, de certa maneira, pois identificamos traços sutis e, até mesmo, elementos intertextuais dessas experiências leitoras no corpo de algumas de suas criações.

A respeito da escritura do autor, a crítica literária Nelly Novaes Coelho afirma: “sua habilidade em elaborar o novelesco e a atração pela aventura de viver, somada ao estilo fluente e impregnado de oralidade, fazem de Assis Brasil um escritor de sucesso entre os leitores” (COELHO, 1995, p. 144). Essas são, portanto, também, as características que fizeram dele um escritor com estilo peculiar, também capaz de promover a aceitação dos leitores e da crítica especializada, como atestam os prêmios conquistados e o fato de ter obras suas adotadas por escolas de todo o país.

Assis Brasil edificou grande parte da sua arquitetura ficcional com questões sociais, buscando estar mais próximo dos conflitos humanos da vida social e, ao mesmo tempo, do imaginário do povo brasileiro.

Muitas de suas obras para crianças e jovens foram premiadas, por exemplo: Um preço pela vida, com o Prêmio Fernando Chinaglia/União Brasileira de Escritores; e Os nadinhas, com o Prêmio Luiz Jardim/União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro. Além desse rol de obras, destaca-se o livro Zé Carrapeta, o guia de cego, agraciado com o Prêmio Alfredo Machado Quintela, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, além de ter sido selecionado pela International Youth Library (Biblioteca Internacional da Juventude), de Munique (Alemanha), para ser incluído no catálogo The White Ravens 1986, uma das mais importantes distinções no campo da literatura infantil e juvenil mundial, publicado anualmente (ROCHA, 2013). Isso demonstra que a sua literatura para o público jovem foi reconhecida pelos parâmetros críticos que regem os prêmios literários, que, por vezes, moldam o gosto de leitura dos potenciais leitores.

Ficcionista de “mão cheia”, Assis Brasil cria uma personagem que percorre vários territórios do Brasil, José Quinquinhas, apelidado Gavião Vaqueiro – um aventureiro nordestino, ecologista e amigo dos índios –, figura constante na série de episódios denominada “Aventuras de Gavião Vaqueiro”, composta por mais de vinte publicações voltadas para os públicos infantil e juvenil. Assim, a trajetória dessa personagem configura um desbravamento para um lastro ficcional que traça problemáticas de povos de regiões distantes dos centros mais urbanizados do país, no período do contexto de produção do autor. Isso reforça a ideia de que o escritor edificou grande parte da sua arquitetura ficcional com questões sociais, buscando estar mais próximo dos conflitos humanos da vida social e, ao mesmo tempo, do imaginário do povo brasileiro.

As obras de Assis Brasil destinadas às crianças e aos jovens ilustram as tendências da criação literária, bem como do mercado editorial, tendo como pauta as questões contemporâneas vigentes na sua época, consolidadas nas coleções e séries que circularam nas décadas em que foram produzidas. Nessas mesmas obras ainda ecoam vozes questionadoras em nosso tempo – na figura do narrador e das personagens –, que são convocadas pelas leituras atuais. Nesse sentido, parte das suas obras foi publicada em coleções e séries, por exemplo: A volta do herói (1974), editada em 1983 pela Ediouro para a Coleção Edijovem; Tonico e Carniça (1982), pela Ática na Série Vaga-lume, escrita em coautoria com José Rezende Filho; e O menino-candeeiro (1985), pela Editora do Brasil para a Coleção Liberdade, Ação (ROCHA; MAGALHÃES, 2021). Através de coleções e séries, o autor oferece possibilidades para uma formação leitora que provoca o pensamento crítico-reflexivo, na perspectiva de uma função humanizadora.

Assis Brasil faz parte de um rol de autores brasileiros que se preocupou com as questões sociais, lançando mão da fantasia e da criatividade, elementos facilitadores para a construção de sentidos e expressão de sentimentos pelos leitores crianças e jovens. A sua produção literária tornou-se mais presente nos anos de 1980 e 1990, com expressiva e volumosa diversidade temática. Ele conseguiu inserir suas histórias no contexto do mercado por meio de diversas editoras nacionais: Melhoramentos, Atual, Salamandra, Scipione, Moderna, Saraiva e outras. A obra infantil e juvenil do autor constitui-se de temáticas que podem interessar tanto leitor criança como o adolescente, uma vez que é marcante nas suas narrativas a presença de elementos lúdicos, fantásticos, complexos e instigantes, como a própria condição de infantil e a delicada relação entre adultos e crianças, como se vê em Os nadinhas e em Os habitantes do espelho.

Estudos relativamente recentes (ROCHA, 2013; ROCHA; MAGALHÃES, 2021) constatam que a literatura infantil e juvenil do escritor piauiense propicia a ampliação do horizonte de expectativas do leitor, com o protagonismo de personagens adultos, crianças, animais e plantas, por meio da fusão da fantasia com o real, configurando uma via de experiência estética, que leva o leitor ao autoconhecimento e, consequentemente, ao amadurecimento pessoal, descobrindo o seu potencial como ser humano diante do mundo. Assis Brasil é, portanto, um autor que plantou na seara da literatura infantil e juvenil uma infinidade de ideias capazes de atrair os leitores e de suportar os olhares apurados da crítica especializada de qualquer tempo.

Dheiky do Rêgo Monteiro Rocha é professor, doutorando em Linguagem e Ensino (UFCG), Mestre em Letras (Uespi) e Especialista em Literatura Brasileira (Uespi).

Referências

COELHO, Nelly Novaes. Dicionário crítico da literatura infantil e juvenil brasileira: séculos XIX e XX. 4. ed. São Paulo: EDUSP, 1995.

ROCHA, Dheiky do Rêgo Monteiro. A fantasia e o real na literatura infantojuvenil de Assis Brasil: por uma função emancipatória. 2013. 125f. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Estadual do Piauí, Teresina.

ROCHA, Dheiky do Rêgo Monteiro; MAGALHÃES, Maria do Socorro Rios. Assis Brasil e a literatura juvenil: coleções, séries e a formação humanística. In: ROCHA, Dheiky do Rêgo Monteiro; MAGALHÃES, Maria do Socorro Rios; CECCANTINI, João Luís (Orgs.). Livro juvenil: estética, crítica e experiência literária. Jundiaí: Paco Editorial, 2021. p. 127-149.