Os Jogos Pan-Americanos de 2015 tiveram como um importante fato comentado do “Time Brasil” a continência batida por vários atletas brasileiros que subiram ao pódio em Toronto. Dentre os argumentos críticos, a preocupação com o momento – com discursos por golpe/intervenção militar no Executivo. Da defesa, o fato de esses atletas serem militares e seguirem o código da instituição, que os ajuda financeiramente.

A Organização Desportiva Pan-Americana (ODEPA) permite que coisas assim aconteçam, ao contrário do Comitê Olímpico Internacional (COI), assim, não veremos isso aqui no Rio de Janeiro no ano que vem.

Mas o problema não é uma expressão, mas a proibição de outras. Antes de ir ao evento, a nadadora Joanna Maranhão, que se posicionou contra a maioridade penal em suas redes sociais, gravou um vídeo dizendo que não representaria os eleitores dos deputados Jair Bolsonaro e Eduardo Cunha e os seguidores do pastor Silas Malafaia. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) anunciou que proibiria que os membros do “Time Brasil” se posicionem durante o Pan, mesmo em seus perfis em mídias sociais.

O futebol é recheado de casos em que jogadores foram protestar em relação a algum fato político ou por motivos religiosos e foram punidos de realizar tal ato porque a FIFA, entidade privada, não permite. Entendendo nisso o mesmo sentido da publicidade para além da formal – como a da propaganda da cueca de Neymar durante a Copa das Confederações, em 2013. Ambos poderiam atrapalhar seus negócios, seja diretamente na perspectiva econômica ou pelas relações político-institucionais estabelecidas, inclusive, com países em que democracia e transparência não são palavras válidas.

Em 2011, em meio ao boom da campanha “#ForaRicardoTeixeira”, então presidente da CBF, torcedores foram proibidos de entrar nos estádios com estes dizeres em pequenas faixas. Em outros torneios nacionais, árbitros pararam jogos ao verem faixas nas arquibancadas criticando a arbitragem nacional, com a bola só rolando com a retirada delas. Dois anos depois, com o movimento de jogadores por melhores condições de trabalho, o Bom Senso F.C., ocorreu algo parecido. A ideia era demorar um minuto antes das partidas de determinada rodada do Campeonato Brasileiro em protesto à organização do futebol no Brasil. Alguns árbitros foram orientados a punir com cartão quem atrasasse a partida, fazendo com que os jogadores mudassem a tática, tocando a bola bem devagar.

O futebol é recheado de casos em que jogadores foram protestar em relação a algum fato político ou por motivos religiosos e foram punidos de realizar tal ato porque a FIFA, entidade privada, não permite.

Acabamos nos acostumando a não ouvir protestos e mais respostas a entrevistas com “foi tudo como o professor pediu, a gente se esforçou e o que importa é os três pontos”. Quando há jogadores mais críticos, casos de Afonsinho nos anos 1970 e de Rogério Ceni, nas últimas décadas, a tendência é tratarmos com mau humor tais figuras, que vão de encontro ao estereótipo dos boleiros. Um exemplo clássico é a Democracia Corintiana. Engajados nas Diretas Já, Sócrates, Wladimir e Casagrande tiveram histórias diferentes depois de suas carreiras dentro de campo, com o primeiro mantendo mais o discurso crítico sobre o futebol.

Dos craques do esporte, só Maradona foi questionador. Dentre outros momentos, reclamou dos jogos com sol a pino na Copa do Mundo do México, em 1986, promovida pela TV Azteca. É um caso importante pois, acrescido aos problemas com drogas, seu posicionamento político mais à esquerda o fez ser visto com maus olhos fora da Argentina e de Nápoles.

Entretanto, o problema não está só no protesto. No Brasil, dentre as coisas boas com as novas arenas está a proximidade do público com os jogadores. A primeira reação de muitos após o gol é subir as escadas ou se aproximar dos torcedores, um pouco acima, para os abraçar. Quer dizer, era. A CBF proíbe que isso ocorra, com os árbitros dando cartão amarelo para o jogador que fizer, justificando o fato para garantir a “segurança”. Além de uma série de outras proibições de como se deve comemorar o principal momento do futebol.

Antes de mais nada, seja a ODEPA, o COB, CBF ou FIFA é preciso entender que se trata de entidades paraestatais que controlam os esportes, juridicamente com independência a quaisquer Estados, em alguns casos proibindo qualquer interferência destes. O football association, por exemplo, é propriedade da FIFA e cabe a ela ditar as normas de sua prática profissional, forçando que profissionais e espectadores deste esporte tenham que se submeter às suas regras, mesmo numa norma básica que deveria ser a liberdade de se expressar.

Não à toa que mexer nessa estrutura é muito difícil – como comprova a dificuldade do Governo federal para conseguir aprovar a Medida Provisória do Futebol com alterações estruturais mínimas. A gerência da prática profissional do esporte normalmente é conservadora e não democrática. Assim, expressar-se só é permitido quando convém, mesmo em tempos de mídias sociais.

 

*Anderson Santos é jornalista, professor e mestre em Ciências da Comunicação.

 

(Publicado na edição #21)