“Posso perdoar Alfred Nobel por ter inventado a dinamite, mas só um diabo em forma de gente poderia ter inventado o Prêmio Nobel”, disse George Bernard Shaw, galardoado com a mais cobiçada das conquistas literárias, em 1925. Noventa e quatro anos depois, a Academia Sueca, tentando se recompor depois de um escândalo sexual, premiou Peter Handker, autor austríaco que tinha fortes ligações com Slobodan Milosevic, o “carniceiro dos Bálcãs”. Handker veio a público algumas vezes pronunciando-se contra as premiações literárias. Coisa pior já aconteceu: não deram o prêmio ao argentino Jorge Luís Borges, indiscutivelmente, o responsável por uma das mais vigorosas obras da literatura de língua espanhola, e isso deixou claro que a escolha não se dá apenas pela beleza das letras.
Ao longo dos anos, o prêmio ganhou status muito acima do que imaginou seu criador. Para ganhar um Nobel não é necessário apenas levar em consideração a qualidade da obra, mas a sua representação política e outras questões pra lá de misteriosas. Neste exato contexto, a língua, e sua importância comunicativa no mundo, tem-se mostrado como fator decisivo. Para a língua portuguesa, resta José Saramago, escritor português que passou seus últimos anos de vida na ilha de Lanzarote, como único ganhador de tal medalha.
Premiações à parte, a literatura dos países lusófonos tem-se mostrado, desde o último século, cada vez mais engajada naquilo que representa, de fato, sua essência: a expressão da vida e de suas vicissitudes através da escrita. Uma premiação do porte de um Nobel contribuiria com letras maiúsculas para a divulgação maciça do idioma, mas, como poucos países têm como língua mãe a “última flor do Lácio”, fica mais fácil entender os motivos que levaram nomes como Jorge Amado, Miguel Torga, Guimarães Rosa, Sophia de Mello Breyner Andresen, Graciliano Ramos ou João Cabral de Melo Neto a não figurarem entre os premiados.
Escrever pensando em algum prêmio não é digno do mais solitário dos ofícios, como disse Gabo aos escribas de todos os tempos, mas o mundo não é outro que não este. E este é o tempo das premiações, polêmicas ou não
Escrever pensando em algum prêmio não é digno do mais solitário dos ofícios, como disse Gabo aos escribas de todos os tempos, mas o mundo não é outro que não este. E este é o tempo das premiações, polêmicas ou não. No Brasil, o mais antigo deles e também o mais respeitado, o Jabuti, organizado pela Câmara Brasileira do Livro, passando pelo da Fundação Biblioteca Nacional, do Rio de Literatura, do São Paulo de romance, do PEN Clube do Brasil… do antigo e prestigioso Walmap (conquistado pelo nosso Assis Brasil em duas ocasiões), até chegar ao polêmico Oceanos, o prêmio tem-se mostrado, antes de tudo, como uma alavanca para a divulgação da obra vencedora, ainda que esta divulgação não represente, com a mesma magnitude, um aquecimento das vendas dos trabalhos coroados.
Os casos de autores que ganharam grande projeção depois das premiações são evidentes: Salgado Maranhão, Luiz Rufatto e Marcelino Freire com o Jabuti, Valter Hugo Mãe com o Oceanos, Ondjaki com o José Saramago, Arménio Vieira com o Camões… Assim como há casos onde a conquista pouco ou nada mudou na vida do autor contemplado. O Brasil ainda está longe de entender que a premiação serve como uma mola propulsora para a produção literária. Os países de língua espanhola, por exemplo, já entenderam bem isso. Os esforços coletivos são incomparáveis. Só o prêmio de novela inédita da editora Planeta paga impressionantes 805 mil euros ao melhor livro e mais de 100 mil ao segundo colocado.
Saramago afirmou que não há globalização, mas uma condição em que “os ricos mandam como querem e os pobres vivem como podem”. Em se tratando de literatura, no Brasil, então, nem se fala! García Márquez, em seu discurso sobre a história da exploração das Américas pelo colonizador europeu, reafirmou que “as estirpes condenadas a cem anos de solidão não tinham uma segunda oportunidade sobre a terra”.
Cabe a cada escritor de Portugal, Brasil, Guiné-Bissau, Timor-Leste, Moçambique, Angola, Macau e Cabo Verde, ter o compromisso exclusivo, com voz ativa, primando pelo engrandecimento artístico que molda as identidades de seus respectivos povos, já que, premiar ou não premiar, é uma questão que ultrapassa as barreiras do merecimento pelo feito.
Enquanto isso, fica a lembrança de Chico Buarque de Holanda, vencedor do Prêmio Camões deste ano, cujo certificado vai ficar sem a assinatura do presidente da República de seu país, para quem a literatura não fica no primeiro plano.
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Nathan Sousa é escritor, poeta e letrista. Integra 18 antologias. De Teresina, é vencedor de mais de 20 prêmios literários, dentre eles Assis Brasil 2013, Machado de Assis 2015 (da confraria Brasil-Portugal) e Prêmio José de Alencar 2015, da União Brasileira de Escritores-UBE.
Publicado na Revestrés#44 – novembro-dezembro de 2019.
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