A final do Campeonato Piauiense de 1985 ficou marcada na história de um torcedor apaixonado pelo Piauí Esporte Clube. E não só pelo título, conquistado após a quebra de um jejum de 15 anos, mas pelo fim de uma promessa digna de torcedor fiel. No dia 2 de dezembro de 1985, as arquibancadas do estádio Albertão, em Teresina, testemunharam um torcedor apreensivo, minuto a minuto, com a decisão do estadual.

José Carlos Coêlho, o “Cabeludo”: a promessa foi somente cortar o cabelo quando o Piauí Esporte Clube voltasse a ser campeão estadual. O cabelo cresceu por longos 15 anos e a história foi contada por Carlos Said na revista Placar

José Carlos Coêlho, o “Cabeludo”, como ficou conhecido, havia feito a promessa de somente cortar o cabelo quando o seu time do coração, o Piauí Esporte Clube, voltasse a ser campeão estadual. O Piauizão Vibrante, como o time é chamado por seus torcedores, havia vivido momentos gloriosos entre 1966 a 1969, sendo tetracampeão piauiense, conquista até hoje lembrada e, até então, os últimos títulos de sua história. Em 1970, a expectativa do mecânico mineiro José Carlos Coêlho, recém chegado no Piauí, era ver seu time piauiense levantar a taça do pentacampeonato estadual, numa sequência de vitórias. Porém, naquele ano, o vencedor foi o Flamengo do Piauí, que derrotou o Piauí Esporte Clube por 3 x 1.

Naquela ocasião, ano que encerrou o domínio do Rubro-anil no futebol do estado, uma brincadeira iniciava
uma promessa que seria mais duradoura do que o esperado. Coêlho fez um pacto silencioso com sua paixão e, por vontade própria, deixou o cabelo crescer. Enquanto assistiam um jogo do Piauí no estádio Lindolfo Monteiro, um amigo seu contou ao cronista esportivo Deusdeth Nunes, conhecido como Garrincha, que se tratava de uma promessa pela vitória do time. Nos dias seguintes, a história iria parar na imprensa. Coêlho acabou adotando para si a tal promessa, agora tornada pública. “Um amigo contou sobre minha promessa ao jornalista. Ele acabou tirando uma foto minha, sem que eu visse, e publicou a história no jornal. Para ele não ficar de mentiroso, levei a sério a promessa por 15 anos”, contou Coêlho entre risos. “Eu tinha perdido minha mãe, se ela estivesse viva não deixaria”.

Desde então, não era o brilho ou o corte de cabelo moderno que chamavam a atenção em Coêlho, mas o propósito por trás de cada fio de cabelo que caía sobre seus ombros. O cabelo de José Carlos não era apenas cabelo. Era uma promessa.

Agora o torcedor Cabeludo só iria cortar o cabelo no próximo título de campeão estadual do Piauí Esporte Clube. Naquele momento, a promessa parecia algo simples, uma brincadeira entre amigos. Afinal, todos imaginavam que a próxima vitória do Piauizão Vibrante não tardaria. Quando a história surgiu, o que a torcida provavelmente não esperava era que demoraria tanto para a promessa chegar ao fim. Depois de quatro anos seguidos sendo campeão estadual, o Piauí passaria mais de uma década para levantar o troféu novamente.

O tempo foi passando e o seu cabelo se tornou um símbolo de fé inabalável. Não havia vitória, mas havia paixão. Alguns torcedores brincavam, outros admiravam, mas o Cabeludo seguia firme. O Piauí Esporte Clube, por outro lado, seguia sem erguer a taça.

Os anos começaram a passar e o corte de cabelo, que deveria ser algo iminente, foi se transformando em uma esperança distante. E em zoações por parte dos torcedores rivais. 1970 passou, 1980 chegou, e a fila de derrotas foi crescendo junto com o cabelo de Coêlho. Ele, obstinado, manteve firme sua promessa. “Tinha muita gente que falava ‘corta esse cabelo’, mas eu segui firme com a minha promessa”, conta.

A cada temporada, novos jogadores, novos técnicos e sempre a mesma expectativa: “Será este o ano?” Com o passar do tempo, as pessoas passaram a notar mais o cabelo de Coêlho do que o time. “E aí, Coêlho, quando vai cortar?”, perguntavam. Ele respondia sempre com um sorriso paciente, como quem sabia que o futuro destinaria um momento glorioso a seu time.

O tempo foi passando e o seu cabelo se tornou um símbolo de sua fé inabalável. Não havia vitória, mas havia paixão. Alguns torcedores brincavam, outros admiravam, mas o cabeludo seguia firme. Quinze anos de espera, e o cabelo, agora longo, quase uma extensão física de sua devoção ao clube, seguia crescendo. O Piauí Esporte Clube, por outro lado, seguia sem erguer a taça.

Mais 40 anos depois, uma nova promessa é cumprida: em 2025, José Carlos Coelho, aos 85 anos, volta ao Albertão para comemorar mais um título do Piauizão. Aqui, ao lado do ídolo Simão Teles Bacelar, o Sima, 77 anos, jogador que ajudou a conquistar os títulos de 67, 68 e 69 do Piauí Esporte Clube e ficou conhecido como o Pelé do Nordeste.

Nesse longo período, até estádio novo surgiu: o Albertão, inaugurado no dia 26 de Agosto de 1973, inicialmente com uma capacidade para 60 mil espectadores. Hoje, o Gigante da Redenção, como é chamado, comporta bem menos devido as medidas de segurança e acessibilidade adotadas. Os anos de 1970 e 1980 foram os tempos áureos do futebol piauiense, coincidindo com o período da Ditadura Militar no Brasil (1964-1985), quando ocorreram várias medidas para impulsionar  o esporte em diversas regiões do país, incluindo o Piauí. As ações faziam parte da ideia de manter controle social sobre a população, reduzindo as tensões sociais. Quem viveu essa época, não esquece. Os altos investimentos resultaram em times competitivos e torcedores engajados. Isso tudo e o Piauí Esporte Clube seguia sem erguer a taça que Coêlho tanto esperava.

Até que chegou 1985. Naquele ano, o rubro-anil surpreendeu. Contra todas as probabilidades e previsões pessimistas, o time chegou à final. Após três turnos de disputa, o estadual chegaria ao fim em um triangular entre os três times da capital. Nos dois primeiros jogos, o River-PI foi derrotado, tanto pelo Piauí EC quanto pelo Flamengo-PI, que se enfrentaram no último jogo, quando o Rubro-anil teria vantagem do empate.

No coração de Coêlho, a velha chama da esperança acendeu com força renovada. Nas arquibancadas, todos sabiam o que aquele jogo significava, não só para o time, mas para o homem que assistia com o coração batendo forte e os cabelos caindo pelos ombros. A vitória não seria apenas uma taça. Seria a realização de uma espera pessoal, quase íntima.

Naquele 2 de dezembro, o Flamengo-PI saiu na frente com gol de Etevaldo no primeiro tempo. Para o suspense de todos na arquibancada, parecia até que não seria daquela vez que o Rubro-anil poria fim ao tão longo jejum. Mas tudo mudou no segundo tempo, quando Xavier (Cacimba Velha) recebeu cruzamento próximo à marca do pênalti e, sem sair do chão, cabeceou forte para o fundo das redes, empatando o jogo e garantindo o título para o Piauí Esporte Clube, depois de quinze longos anos de espera – em especial para o torcedor Cabeludo.

O Piauizão Vibrante era novamente campeão piauiense! As comemorações explodiram na arquibancada, mas talvez o maior gesto de celebração tenha ocorrido naquela noite, quando Coêlho, o Cabeludo, finalmente cortou o cabelo. O evento pedia pompa. Ele foi levado à sede do Clube e atendido por dois barbeiros, dando fim à promessa que significava uma conquista. Alguns torcedores mais fanáticos levaram mechas de cabelo como recordação. Cada fio que caia representava mais do que o fim de uma promessa: simbolizava resiliência, fé e a paixão de um torcedor que nunca desistiu.

Esse feito foi contado na Revista Placar n 815, umas das maiores revistas de jornalismo esportivo do Brasil. Quem assina a matéria é o jornalista Carlos Said, que usou como título “Cabelos como troféu”.

O Piauizão Vibrante era novamente campeão piauiense! Cabeludo foi levado à sede do Clube e atendido por dois barbeiros, dando fim à promessa que significava uma conquista. Alguns torcedores mais fanáticos levaram mechas de cabelo como recordação.

Naquele corte de cabelo havia 15 anos de história, de derrotas, de esperanças frustradas e de uma devoção que, ao fim, foi recompensada. José Carlos Coêlho, o Cabeludo, não apenas cortou o cabelo, provou que o futebol, em sua essência, é feito de paixão e momentos que podem ser inesquecíveis.

Hoje, aos 85 anos, José Carlos Coêlho já não frequenta mais estádios de futebol. Ele acompanha os jogos pelo rádio ou pela TV. Mas nesse ano de 2025, o torcedor apaixonado pelo Enxuga Rato, fez uma nova promessa. Em entrevista a uma emissora de TV ele disse que se o Piauí Esporte Clube se classificasse para a decisão, ele retornaria ao estádio Albertão após 40 anos de ausência. Sua última ida ao Gigante da Redenção havia sido no título de 1985. Com o Enxuga Rato classificado para a final, superando o Parnahyba na semifinal, o Rubro-anil retornou a uma decisão de campeonato estadual após 11 anos, desta vez para enfrentar o Fluminense-PI.

O primeiro jogo da decisão havia terminado empatado em 2 x 2, tudo igual. O retorno de Coêlho aconteceu no segundo jogo decisivo. Torcedor pé quente que é, assistiu o Enxuga Rato vencer a final por 2 x 0. E, após longos 40 anos de espera, o Piauí Esporte Clube conquista mais uma vez o título de campeão piauiense no mesmo estádio Albertão, com o mesmo torcedor apaixonado nas arquibancadas e mais uma promessa cumprida.

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Carlos Coêlho é jornalista formado pela Universidade Estadual do Piauí (UESPI), com interesse nas áreas de Telejornalismo e EPC (Educação, Política da Comunicação). Integra o grupo de pesquisa TRAMPO – Trabalho e Mídia: Teoria e Práxis Noticiosa. Atualmente, realiza produções audiovisuais e desenvolve pesquisas voltadas à comunicação, com foco nas relações entre mídia e sociedade. Carlos Coêlho é também filho de José Carlos Coêlho.