Na universidade pública! Essa tem sido minha resposta para as pessoas que se indignam quando afirmo que os próximos anos podem ser bastante difíceis para o nosso país. Hoje, sou professora de Jornalismo. Mas, não é a partir dessa condição que me apresento nesse texto. Irei abordar aqui minha trajetória como estudante da rede pública e não apenas na universidade, como também nos ensinos fundamental e médio. Isso porque desde os sete anos de idade estudei em uma escola federal do Rio de Janeiro, de onde sou natural: o Colégio Pedro II.
É uma escola com ensino reconhecidamente de qualidade, o que, sem dúvida, ajudou bastante para que eu ingressasse em uma universidade federal futuramente. Contudo, não creio que este tenha sido o principal legado do Colégio Pedro II para a minha formação. Um dos meus aprendizados centrais lá foi, na verdade, reivindicar direitos e questionar ações governamentais.
Antes mesmo dos 10 anos de idade, tive a experiência de participar de uma passeata. Eram tempos difíceis para a educação (tal como os que nos avizinham) e havia a ameaça de municipalização da escola. Foi, então, que fizemos cartazes em sala de aula e caminhamos em volta do Colégio simbolizando um ato de proteção. Além disso, escrevemos cartas para deputados apresentando a problemática e pedindo ajuda na manutenção do nosso ensino. Com isso, as professoras estavam nos doutrinando ideologicamente (apenas para usar termos da moda nesse início de 2019)? Não, não. Estavam nos educando. Porque educação não é ensinar a obedecer incondicionalmente e sim a lutar para que a sua existência seja respeitada.
A percepção desses aspectos foi, sem dúvidas, determinante para que na sétima série do ensino fundamental (hoje, oitavo ano) eu decidisse ser jornalista. Nessa época, o grêmio estudantil mantinha um jornalzinho e fui convidada para escrever um texto sobre a depredação recente (e ainda comum) dos banheiros da escola. Defendi com veemência a preservação do patrimônio público, de cada lavabo, de cada parede, de cada cadeira. Até porque, como dizer que amamos algo que destruímos? No auge da adolescência, como a maioria dos jovens, meu maior medo era ser rechaçada pelos subgrupos que existem em qualquer escola. Mas foi aí que aprendi que ser jornalista requer coragem.
Foi assim que foi tomada a decisão pela graduação em Comunicação Social. Tanto que não tentei sequer outros cursos. Em todas as universidades para as quais prestei vestibular, a única opção foi Jornalismo. Ingressei na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (carinhosamente chamada de ECO) em março de 2004, segundo ano do primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Já havia rumores de que a situação da universidade pública estava melhorando. Se antes as bolsas de iniciação científica (voltadas para a graduação) eram disputadas, a partir de então estavam sendo mais disseminadas entre os estudantes. Na verdade, esse mundo mais acadêmico era uma novidade para mim. Era a primeira integrante da família a cursar universidade pública (os demais familiares realizaram suas graduações em instituições privadas) e é notório que a ciência do país se dá de uma maneira mais efetiva no âmbito das IES públicas.
Saí da Graduação em 2008 como uma outra pessoa. Digo isso, sobretudo, porque aprendi a pensar: o maior presente que a universidade pública poderia ter me oferecido!
Diante disso, confesso que desconhecia a possibilidade de bolsas de pesquisa. A primeira que me foi ofertada, porém, agarrei. E isso transformou minha vida. Comecei a frequentar congressos científicos fora do estado do Rio de Janeiro. Conheci novas perspectivas, como a da pós-graduação. Saí da Graduação em 2008 como uma outra pessoa. Digo isso, sobretudo, porque aprendi a pensar: o maior presente que a universidade pública poderia ter me oferecido!
Tanto que resolvi não parar mais de estudar e já ingressei no ano seguinte no mestrado em Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Foram dois anos difíceis, pois a pesquisa é um caminho, por vezes, solitário na busca pelo conhecimento. Em meio a livros, aulas, palestras e reuniões de grupos de pesquisa, nossas conclusões são autônomas, embora alguns achem que existem quase que seitas acadêmicas dentro das universidades. É claro que nossos professores-doutores-orientadores nos acompanham nessa árdua trajetória. Mas são norte e não doutrinação; são inspirações e não ditadores. A relação é de admiração e não de imposição.
Cabe destacar que essa vivência só foi possível porque contei com uma bolsa da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) para cursar o mestrado. Caso contrário, minha família não teria condições de financiar minha ida para Florianópolis. O mesmo aconteceu com o doutorado, cursado a partir de 2012 na Universidade Federal da Bahia, e com o doutorado-sanduíche, realizado entre 2013 e 2014 na cidade da Covilhã, em Portugal, onde encontra-se a Universidade da Beira Interior. Quem imaginaria que aquela menina dos cartazes defendendo o ensino federal conheceria outros estados e países com recursos federais? Nem ela poderia sonhar com algo assim!
Dessa dobradinha entre Salvador e Covilhã, para além de uma doutora, surgiu uma nova cidadã, mais consciente de seu papel no mundo. Se não é para isso que a educação serve… Mais do que as teorias e metodologias da Comunicação Social, o doutorado me mostrou que podemos ser o que quisermos (contanto que não façamos mal a ninguém). E que, para garantirmos esse direito, temos o dever de aceitar os demais como quiserem ser, respeitando e protegendo as diversas identidades, sobretudo as das minorias. E isso não é uma imposição ideológica das universidades públicas: é a formação de cidadãos com comprometimento social, um dos pilares de qualquer instituição educacional.
Ao final do doutorado, porém, muitos disseram que eu não teria alternativas. Ouvi várias vezes que os governos do PT geraram doutores desempregados e que de nada serviam tantos investimentos em educação. Foi aí que surgiu uma bolsa para pós-doutorado na Universidade Federal do Piauí, que me trouxe a terras teresinenses e me manteve por aqui até que eu ingressasse como professora efetiva do Curso de Comunicação Social – Jornalismo.
Hoje, em minhas aulas sobre webjornalismo, não leciono apenas técnicas e ferramentas para a prática jornalística na internet. Esse é somente um dos meus papeis como professora. Tento mostrar aos estudantes da Ufpi que existem muitos caminhos possíveis: na profissão, na carreira e na vida. Busco apresentar o universo acadêmico da pesquisa como uma alternativa para os que não se identificam com o mercado jornalístico. Estimulo que participem de congressos científicos e intercâmbios, para que tenham contato com outras ideias e perspectivas de mundo. Tento mostrar que estudar é um privilégio e não um fardo.
Ressalto, sobretudo, que as bolsas de pesquisa precisam ser reivindicadas e usufruídas em qualquer governo. Alguns afirmam que as bolsas geram vícios, “dando o peixe e não ensinando a pescar”. Mas creio que trajetórias como a minha (semelhante a toda uma geração de pesquisadores) revelem justo o contrário: ou alguém tem dúvidas de que nos últimos 16 anos eu aprendi a pescar?
Juliana Teixeira é Jornalista pela UFRJ e Mestra em Jornalismo pela UFSC. É Doutora em Comunicação e Cultura Contemporânea pela UFBA e em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior (Covilhã/ Portugal). É professora de Comunicação na UFPI e integrante do Grupo de Pesquisa em Comunicação, Economia Política e Diversidade (COMUM – UFPI).
Artigo publicado na Revestrés 39 – janeiro-fevereiro de 2019.