Reiterando Pablo Neruda que diz: “Escrever é fácil. Você começa com uma letra maiúscula e termina com um ponto final. No meio você coloca idéias”, pode-se dizer que tal pensamento, a principio tão simplório, faz mesmo muito sentido. Haja vista nele haver uma velada pretensão do escritor em dizer que o “conhecimento de mundo” é o núcleo norteador dos nossos textos. Talvez, seja o mau uso desse tal conhecimento prévio de mundo (as ideias), o desafio maior do nosso alunado em geral. As ideias as quais se refere Neruda são exatamente o plano textual ou do conteúdo, processo cuja compreensão ainda é falha nos nossos incipientes candidatos. Esses potenciais “escritores” estão na vanguarda dos exames escolares, dos concursos públicos, dos vestibulares e, sobretudo, da redação do ENEM. Nesse contexto, o repertório sociocultural é elemento imprescindível na obtenção de uma pontuação máxima nos variados exames de produção textual.
E qual o desafio? Porque não atingem a máxima nota? Onde está o problema? Será a escola a culpada? Ou esses candidatos não estão utilizando fontes intertextuais do Cânon literário? O tema da redação do ENEM de 2006 já preconizava a desconfiança de que há um possível abismo entre os brasileiros e a tão urgente ferramenta para bem escrever um texto: a leitura. Naquele ano, o tema proposto foi “O poder de transformação da leitura”. Tal tema, além de avaliar a produção em si, em seus aspectos de escrita formal e obediência estrutural do texto dissertativo-argumentativo, foi também um modo de aferir, em nosso público, se há alguma intimidade com a leitura e compreensão de mundo. Diante disso, fica admoestado que o ato de ler é importante, visto ser ele quem prescinde a escrita em todos os seus meandros. Além, é claro, de tal práxis ser a principal fomentadora de interdiscursos e intertextualidades, requisitos básicos para a construção de frases, orações e períodos. Prova disso, basta ver o primeiro parágrafo de uma redação mil desse mesmo ano:
Marcel Proust, grande escritor e exemplo máximo de uma vida dedicada unicamente à leitura e à literatura, disse em seus escritos: “cada leitor, quando lê, é um leitor de si mesmo”. O que Proust evidencia nessa frase deixa em aberto uma série de interpretações que podem ser realizadas a partir do hábito entusiástico e não visto como uma obrigação, pela leitura.
Essa parte da redação evidencia que as inter-relações discursivas viabilizam a textualidade e ratifica que o candidato tem, além do plano estrutural do gênero, o domínio do plano textual cuja principal premissa é fazer sentido ou ligação com a problemática abordada no tema de proposta de redação durante todo o processo de produção do texto.
Outro fator a ser considerado é o fato de os candidatos estarem condicionados, no cotidiano, ao uso excessivo do coloquialismo nas redes sociais. Essa prática excessiva de “internetês” é demasiadamente realizada, reforçando a variante informal da língua. Por vezes, esses mesmos usuários do vernáculo comportam-se como “profanadores” da escrita formal, por não conseguir evitar, em seus textos formais, os resquícios da oralidade e a espontaneidade da fala que cotidianamente realizam. Vale ressaltar que o uso dessa variante, diga-se de passagem, não é errado; apenas não preconiza a adequação no processo de produção de textos formais ou de exames escolares e provas de concursos e vestibulares, sobretudo o ENEM.
Convém lembrar, ainda, um histórico no Enem de pouquíssimos textos avaliados com nota máxima. Há um dado que tem entristecido ou colocado em xeque a educação brasileira de uma forma ampla: o fato de apenas 53 textos terem alcançado a tão almejada nota mil no ENEM do ano passado. Para ilustrar melhor esse número, basta saber que foram 4.720.000 textos corrigidos.
Desses, apenas 53 obtiveram nota mil. Em contrapartida, mais de 501.000 textos tiveram suas notas zeradas. Essa realidade em números preocupa os responsáveis legais e os professores que estão no dia a dia em sala de aula com esse alunado. Ao tempo, também, que se constitui motivação para alçar maiores voos no processo de planejamento e ensino-aprendizagem. Pois como bem disse Euclides da Cunha: “o sertanejo é antes de tudo um forte”. Nesse sentido, também, o professor, no processo de ensino da escrita aos seus alunos, é antes de tudo um herói, porque rema contra a maré do entretenimento que as novas tecnologias oferecem.
Vale ressaltar, nessa questão de estudos, que Teresina já se tornou uma das capitais consolidadas no quesito revisão de auditório. Inúmeros cursinhos e preparatórios arregimentam uma grande massa de alunos para revisar conteúdos pertinentes aos variados exames. Porém, ainda é um fato que o costume por uma rotina de estudos pessoal em casa, ainda não é praticado por esse mesmo público de uma forma em geral. Enquanto o estudante não compreender que para está preparado requer dele um programa diário e eficaz de estudo pessoal, não se obterá os resultados a altura do que se espera. O estudante profissional, assim como cumpre a carga horária do colégio regular em que estuda, deve cumprir, religiosamente, um programa pessoal de estudos de no mínimo quatro horas diárias. Em se tratando especificamente da produção de texto, conforme bem expôs Isabella Barros, garota que obteve nota mil no ENEM 2017, o treino em produzir textos deve ser intenso e diário.
Outro fator preponderante é o uso de um vasto conhecimento de mundo colocado em prática no ato de escrever textos escolares, conforme já foi explicitado no início desse artigo. Pois foi citando o livro “Memórias Póstumas de Brás Cubas,” do autor Machado de Assis, em especial a personagem Eugênia, garota que era coxa, e criticando a sociedade que não respeita as diferenças que a estudante Isabella, citada anteriormente, conseguiu obter nota máxima no ENEM edição 2017. Em várias entrevistas concedidas, a candidata afirmou que a persistência em treinar escrita, estudar, ter leituras variadas e disciplinar seu tempo em estudos pessoais são caminhos para alcançar notas excelentes na redação.
Para finalizar, reitera-se com a pergunta título desse artigo, que há alguns desafios a serem superados quando o assunto é a nota mil na redação do ENEM. Acredita-se que para reverter esse quadro de desconforto é essencial que a famílias e instituições escolares continuem a incentivar, desde a tenra idade, as crianças através de projetos e intercâmbios do consumo de livros paradidáticos com o intuito de obtermos leitores vorazes. Além disso, é preciso mudar a concepção de leitura e de contato com o texto, para que não se torne uma mera atividade escolar. Isso é possível com maiores incentivos à leitura e busca por inovações por meio de mais concursos e olimpíadas de jovens leitores e escritores. Ademais, os salões do livro deveriam ser mais divulgados e abraçados por todos. As instituições organizadoras desses, em parcerias com as editoras, devem promover nas escolas atos que disseminassem com maior rapidez a leitura, ao tempo que fizessem com que os adolescentes e jovens fossem os próprios protagonistas e organizadores de concursos de escrita e leitura em suas próprias escolas. Quantos aos professores, esses devem abandonar práticas rotineiras de atividades automáticas e exaustivas cuja eficácia é comprovadamente duvidosa e partir para o intercâmbio de discussões de temas em sala, debates, mesas redondas, convidar intelectuais e escritores para um bate-papo com seus alunos para, assim, descortinar ignorâncias e aproximar o alunado de interdiscursos e de intertextos, viabilizando, assim, um arcabouço variado de idéias para serem utilizadas no meio dos textos como disse Pablo Neruda.
Francisco Rufino é professor de língua portuguesa no Maranhão e pela Prefeitura de Teresina, ministra aulas de redação no ensino médio e faz parte da equipe Pré-Enem Seduc (Secretaria de Educação do Estado do Piauí).
(Artigo publicado na Revestrés#38 – novembro-dezembro de 2018.)