Era o ano de 2006. E lá estava eu, aos 32 anos de idade, com uma mísera participação em uma antologia poética que ninguém leu, indo, como convidado, a uma reunião da Academia de Letras do Médio Parnaíba, cuja sede fica em Amarante. Fomos, eu e um professor, aspirante a candidato para ingressar na referida confraria. Tratava-se de um senhor septuagenário, meu vizinho, em Teresina, porém, com recursos literários suspeitos para tanto. No entanto, minhas opiniões de leitor compulsivo, eu as reservava à escuridão da minha timidez. Portanto, íamos eu e o futuro membro daquela instituição.

Percorremos cento e setenta quilômetros. Olhei para aquela casa centenária no final da rua, às margens do Rio Parnaíba. Era a residência de Emília da Paixão Costa, a Bizinha, ex-prefeita de Amarante. Uma mulher de idade avançada, de compleição física acanhada, que usava uma bengala para se locomover. Indiscutivelmente, ela é uma das figuras mais respeitada da história recente da terra de Da Costa e Silva, de Odilon Nunes, dentre outros grandes nomes da cultura piauiense. O professor nos apresentou e falou do propósito da nossa visita. Haveria uma reunião da dita Academia, mas houve um imprevisto e a mesma foi adiada. Fiquei impressionado com o fato de vários estudantes estarem passando na rua, perguntando à Bizinha sobre assuntos da história local. Ela, mulher miúda e de fala pausada, deitada em uma rede, respondia de imediato: “foi Dirceu Arcoverde, governador do Piauí”.

A vida celebrou o imprevisto, e lá estava eu, novamente, em Amarante, sete anos depois, com um livro publicado, com artigos e poemas espalhados por algumas revistas desse mundo de meu Deus, vencedor de um prêmio literário, assumindo a cadeira de nº 02 de uma casa que eu não conhecia, dois meses depois do falecimento de minha mãe.

Ao término do meu discurso, Bizinha se levantou com dificuldade e veio até a mim com os braços abertos, tentando se equilibrar com a bengala na mão direita. Com lágrimas nos olhos, ergueu o semblante de quem avista o outro lado do rio, dizendo: “Baixinho, você é o cara”.

Tive a honra de ser seu confrade e de conduzir à Academia, juntamente com ela, o escritor e artista plástico, Olemar de Castro, e o poeta, cantor e compositor, Climério Ferreira. Toda vez que eu vou a Amarante, do alto da escadaria, fico com a lembrança daquele dia, passado na residência da Bizinha, e sempre me vem à mente um trecho de Olhando o coração, uma canção de Climério e Dominguinhos: “O meu andar pela vida/É sem controle errante/É como sonho de amante/Que acredita no amor”. Para ela, eu fui o cara. Depois disso, nunca mais eu quis ser.

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Do livro inédito de crônicas, MODERNAS FORMAS DE ANGÚSTIA E OUTRAS RISADAS, de Nathan Sousa, a sair em 2025.

Nathan Sousa é poeta, ficcionista e dramaturgo.